O prefeito Eduardo Paes apresenta a primeira composição do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) a chegar à cidade do Rio de Janeiro. O trem que estará na Rua General Luiz Mendes de Morais, no Santo Cristo, encabeça a lista dos 32 veículos encomendados pela Prefeitura do Rio para o sistema de 28 quilômetros em trilhos que entrará em operação no primeiro semestre de 2016. FOTOS J.P.ENGELBRECHT

Da janela do VLT, que começa a operar hoje da Praça Mauá ao Santos Dumont, o passageiro verá no trajeto parte da história da cidade, em construções desde o século XVIII. Quando a primeira linha do veículo leve sobre trilhos (VLT) começar a funcionar neste domingo, os passageiros ganharão não só um novo meio de transporte. Receberão um passe para admirar pela janela algumas construções que costumavam passar despercebidas no cenário da cidade. Saindo da Praça Mauá, seguindo pela Avenida Rio Branco (a antiga Avenida Central), beirando a Cinelândia e terminando no Aeroporto Santos Dumont, o percurso de cerca de três quilômetros que poderá ser feito, a partir de hoje, a bordo do bonde moderno é pontilhado de prédios, estátuas, monumentos e praças. Um mistura de estilos e épocas que ajuda a contar a história da ocupação urbana do Rio.

Os janelões de vidro e a velocidade baixa do VLT são um convite à contemplação. Para o arquiteto e urbanista João Pedro Backheuser, vale a pena manter os olhos bem abertos já na partida: a primeira parada fica no começo do boulevard da frente marítima, onde estão o Edifício Touring – estação de embarque de passageiros de transatlânticos, prédio do final dos anos 1920, em estilo art déco, projetado pelo mesmo arquiteto do Copacabana Palace, o francês Joseph Gire – e os imponentes armazéns do Porto, do início do século XX.

– Um dos grandes presentes que a cidade ganhou com a abertura da orla foi a redescoberta de alguns prédios que estavam ofuscados pelo Elevado da Perimetral. Foi aberta uma possibilidade de descoberta de edifícios novos, como o do MAR (Museu de Arte do Rio) e o do Museu do Amanhã, e de encontro com antigos, como o Edifício A Noite, de 1929, primeiro arranha-céu em concreto armado da América Latina – diz Backheuser, responsável pelo projeto de urbanização dos 300 mil metros quadrados da nova orla do Porto, incluindo a área da Praça Mauá e do Museu do Amanhã.

No centro da praça, a estátua do Barão de Mauá virou figurinha conhecida dos novos frequentadores daquele pedaço do Centro. Ali, o MAR, assinado pelo escritório Bernardes + Jacobsen Arquitetura, está instalado em dois prédios de perfis heterogêneos e interligados: o palacete Dom João VI, da década de 1910, tombado e eclético, e o edifício vizinho, modernista, originalmente um terminal rodoviário.

Daquele ponto, o VLT parte rumo à Rio Branco, que, em seus 1.975 metros de extensão, abriga construções que testemunharam mais de 110 anos de história da cidade. Dos mais de 80 edifícios que surgiram junto com a inauguração da Avenida Central, em 1905, hoje restam apenas dez. Entre os remanescentes, estão os prédios neoclássicos do Iphan (no número 46, antiga sede da Companhia Docas de Santos, que em seu térreo abriga uma livraria) e da sede do Banco Central no Rio (no número 38, onde funcionava a Caixa de Amortização).

Ao longo dos anos e de sucessivas demolições, a avenida ganhou novos edifícios, e a variedade de estilos passou a dar o tom. Logo no começo da via, o RB1 ( número 1 da Rio Branco), de 1980, surge como ícone da arquitetura pós-moderna. Mais à frente, no 19, esquina com a Dom Gerardo, ainda resiste o prédio do Hotel São Bento, de 1906. Outro exemplo de resistência fica no trecho entre os números 88 e 94. Ali está a construção mais eclética da avenida, com quatro andares, uma torre gótica e grades em estilo art nouveau. Ela foi erguida colada à Igreja da Nossa Senhora da Boa Morte, de 1738, na Rua do Rosário, salva da onda de demolições da época da abertura da Avenida Central.

– Podemos dizer que a avenida está na quinta geração de prédios, a das towers espelhadas (a primeira é a da inauguração da via; a segunda é a dos anos 20; a terceira, a dos anos 40; e a quarta, a da década de 50, com os projetos modernistas). Mas a avenida por si só já é um evento. Ela tem preciosidades arquitetônicas, como o Museu Nacional de Belas Artes, a Biblioteca Nacional, o Teatro Municipal e o Centro Cultural da Justiça Federal, todos edifícios da época da abertura da via. – comenta João Baptista de Mello, professor de geografia da Uerj e coordenador dos Roteiros Geográficos do Rio (projeto que organiza passeios a pé pela cidade).

O caminho do VLT cruza a Avenida Presidente Vargas. E uma das oito estações, batizada de Candelária, fica próxima à igreja. Erguida a partir de 1775, ela só foi concluída em 1898.

EXEMPLARES ART DÉCO E ART NOUVEAU

Ao olhar para fora do VLT, o passageiro poderá conferir exemplares de art déco e art nouveau. O presidente do Instituto Art Déco Brasil, Márcio Roiter, indica uma lista de edifícios que valem a pena o passageiro espiar:

– Na Avenida Branco número 26, temos o Edifício Unidos, de 1937, do arquiteto Luiz Fossati. É um fiel exemplar da vertente streamline do art déco, que remete às locomotivas e aos carros de corrida, onde a aerodinâmica imperava. Temos ainda, no número 120, projeto de 1937 de Gusmão, Dourado & Baldassini, o prédio da Associação dos Empregados no Comércio, de fachada monumental, com direito a uma grande escultura art déco da cabeça de Mercúrio, deus do comércio.

No trajeto, o passageiro poderá também conhecer pelo menos dois projetos dos irmãos MMM Roberto, mestres da arquitetura modernista: o Edifício Marquês do Herval, primeiro do Rio com galerias no subsolo, e o Aeroporto Santos Dumont.

Fonte: Jornal O Globo – 05/06/2016