Ainda vai levar um tempo até que a compra de um imóvel se torne mais rápida e simples. A desburocratização anunciada na semana passada – que prevê a concentração de todas as informações do imóvel numa matrícula única – não deve começar a valer antes de dois anos, já que depende da integração de bancos de dados dos cartórios. Já o aumento na concessão do crédito imobiliário depende de um reaquecimento do mercado que os analistas só esperam para médio e longo prazos.

Mais dinheiro disponível, os bancos já têm. A possibilidade de usar em novas operações de crédito uma parcela maior dos depósitos compulsórios (agora são 60% em vez dos 50% anteriores) já está valendo. Mas, mesmo positiva, não está garantido que a liquidez seja suficiente para gerar mais negócios agora.

– As medidas são positivas porque sinalizam para a redução de juros no futuro. Mas enquanto os valores de captação do banco estiverem altos, e a inflação no teto da meta, não haverá a redução – acredita o economista Roberto Zentgraf.

A medida do Banco Central é a única, entre as anunciadas na semana passada, já em vigor. As mudanças divulgadas pelo Ministério da Fazenda dependem ainda da edição de duas medidas provisórias, o que, segundo fontes da pasta, deve acontecer nos próximos dias.

Só com a edição das MPs será possível saber o tempo exato para a unificação de certidões, já que ela exige um sistema integrado de dados. Isso já começou a ser feito com a criação de um banco nacional. A informatização é essencial pois apenas assim poderiam ser feitas, por meio eletrônico, as averbações sobre pendências judiciais de imóveis e proprietários.

A medida da Fazenda se baseia em projeto de lei que tramita no Congresso e prevê que, cabe à autoridade judicial informar ao Cartório de Registro de Imóveis qualquer decisão judicial que cause a indisponibilidade do imóvel. Nos casos que já correm na Justiça, a obrigação de fazer a averbação é do dono do imóvel que terá, para isso, até dois anos, a partir da publicação da lei.

– É algo positivo pois traz segurança jurídica, mas bem difícil de ser implementado. Espero que o governo tenha encontrado mecanismos para isso – diz o advogado Hamilton Quirino.

Ainda quanto ao aumento na concessão do crédito imobiliário, a expectativa do mercado é que ela aconteça, mas não imediatamente, até porque a inadimplência vem aumentando.

– As medidas dão mais liquidez ao setor, mas, hoje, os bancos estão mais cautelosos. E ainda não deu para saber se haverá novas diretrizes – avalia o economista Gilberto Braga.

Em comunicado, a Federação Brasileira de Bancos diz que “quanto melhores as garantias e mais simples a sua recuperação em caso de inadimplência, maior será a disposição dos bancos para emprestar e menor será a taxa de juros”.

A nova hipoteca, com juros menores
Dar o imóvel quitado como garantia para tomar um empréstimo, seja para comprar outro imóvel, seja para outra finalidade, já é permitido. Mas, a modalidade conhecida como home equity – nada mais do que a velha hipoteca – sempre teve juros altos e nada atraentes. Agora, contudo, os bancos poderão usar até 3% dos recursos captados pela poupança para esse crédito. Com isso, os juros tendem a baixar, tornando a modalidade mais vantajosa.

Em países como os EUA, por exemplo, esse tipo de empréstimo é tão comum que foi justamente o grande número de segundas hipotecas uma das causas da crise econômica de 2008. Mas a situação era diferente. Os juros eram baixos, e o problema surgiu quando eles começaram a subir e as pessoas deixaram de pagar suas dívidas.

Mas será que os brasileiros, mais conservadores, apostariam nessa modalidade?

Cláudio Costa, diretor de financiamentos da imobiliária Coelho da Fonseca, acha que sim:

– Como toda operação de crédito, essa também inclui riscos. Mas, no médio e no longo prazos, acredito que as pessoas poderão usar a modalidade para comprar uma casa de campo, um apartamento na praia.

Uma das dificuldades é justamente a falta de familiaridade do brasileiro com a modalidade.

– Essa medida passa pelo aculturamento do brasileiro. As pessoas precisam assimilar essa possibilidade primeiro. Mas com a redução dos juros ela pode sim se tornar mais atrativa – lembra Fábio Pacheco, da imobiliária Lopes Rio.

Já João Paulo Matos, presidente da Associação dos Dirigentes do Mercado Imobiliário (Ademi-RJ) acha que o crédito até pode ser usado para outros fins, mas não o do segundo imóvel:

– Eu acho que é difícil as pessoas usarem um imóvel para financiar a compra de outro. Talvez, para reforma ou decoração da casa nova.

As medidas anunciadas pelo governo incluem ainda a criação de um novo título, as letras imobiliárias, que por isentar do Imposto de Renda as aplicações superiores a dois anos, poderá atrair investidores para o mercado imobiliário.

Além disso, haverá mudança nas regras da alienação fiduciária. Até agora, tributos e multas não pagos recaíam sobre o imóvel. Se o comprador deixasse de pagar e perdesse o imóvel, essa conta ia para o banco. Agora, a responsabilidade pelo pagamento das dívidas é do devedor. A modalidade também passa a valer para bens móveis.

 

Fonte: Jornal O Globo – 31/08/2014