Ladrilhos hidráulicos, azulejos decorados, cozinha com piso de pastilha. Quem vive no Rio de Janeiro e já procurou imóvel para alugar ou comprar, sabe bem que não é preciso andar muito para encontrar exemplos típicos da arquitetura de interiores que marcou o século passado. Basta entrar em algum apartamento construído entre as décadas de 1950 e 1970 – maioria na cidade, especialmente na Zona Sul e no Centro -, para se deparar com algumas dessas relíquias.

E, a partir de amanhã, quando a novela Boogie Oogie entrar no ar na TV Globo, muita gente vai embarcar numa viagem rumo ao passado que vai trazer de volta a vitrola, os hits dançantes e as cores fortes que marcavam a decoração dos anos 1970 – época em que se passa a trama. Afinal, é diretamente de lá, de meados do século passado, que vêm os banheiros monocromáticos em tons pastéis como rosa, azul bebê ou verde água, com piso de ladrilho ou de pastilhas cerâmicas, bidê e box de acrílico. E também os azulejos de cozinha decorados com flores coloridas. E ainda os papéis de parede com desenhos geométricos, assim como as esquadrias de ferro com vidro canelado.

– Os anos 1970 no Brasil foram bem pop. Naquela época, não havia a velocidade de informação de hoje e as coisas que vinham lá de fora demoravam a chegar aqui, até porque vivíamos uma ditadura. Então, a estética que surgiu por lá nos anos 1960 só fez sucesso por aqui na década seguinte – lembra a arquiteta Ignez Ferraz.

DÉCOR COM ESTÉTICA HIPPIE

Afinal, se os anos 1960 foram de ruptura com os padrões vigentes, os 1970 deram continuidade a esse processo de mudanças na sociedade que, na decoração, como na moda, se refletiam num visual hippie, colorido e libertário.

– Foi definitivamente um período de mudanças. Algumas cores eram bem características desse período, como o vermelho e o laranja, que apareciam muito nos revestimentos de parede – lembra a decoradora Solange Medina.

Foi nessa época, aliás, que mais se usou papéis de parede na decoração, quase sempre com figuras geométricas grandes, coloridas e marcantes. Até porque, naquele período, a ousadia ficava quase restrita aos revestimentos, já que o mobiliário ainda bebia na fonte dos anos 1950, com muita madeira, estruturas leves e móveis de pé palito.

– O design das décadas de 1950 e 1960 ainda era muito presente nas casas dos anos 1970. E foi isso que buscamos reproduzir no cenário com móveis originais da época e eletrodomésticos comprados em feiras, brechós e lojas de design do Rio e de São Paulo – conta o cenógrafo Alexandre Gomes, da novela Boogie Oogie.

Quando se trata de decoração, aliás, não é incomum encontrar peças vintage e até mesmo retrô, em ambientes atuais, já que o visual daqueles tempos voltou a estar em voga. A máxima, contudo, nem sempre é verdade em relação aos acabamentos de apartamentos antigos disponíveis no mercado imobiliário carioca.

BOM PARA COMPRAR, RUIM DE ALUGAR

E se ter uma ou outra peça retrô, ou até mesmo vintage, pode dar charme ao ambiente, um piso velho e desgastado ou uma parede coberta por azulejos decorados nem sempre agrada a quem procura um apartamento para comprar ou alugar. Não é raro encontrar imóveis com resquícios da época de sua construção disponíveis no mercado. Pelo contrário. Eles são até bastante comuns nos bairros de ocupação mais antiga, como Botafogo, Flamengo, Copacabana e Centro.

– É raro alguém comprar um imóvel desse e manter essas características. Pode até deixar como um detalhe, num cantinho, algo assim. Mas quem compra imóvel antigo, quer reformar tudo – avalia o corretor Sandro Sawalla.

Para quem aluga, contudo, às vezes não há opção. A inquilina Maria Lopes até gosta dos azulejos coloridos do imóvel que alugou na Glória. Mas se pudesse reformar, certamente diminuiria a quantidade:

– Talvez deixasse só uma faixa. Mas, o preço acabou falando mais alto.

É que imóveis desatualizados, sem reformas recentes chegam a desvalorizar 20%. E o motivo é simples: por trás de uma parede de azulejos decorados, se escondem encanamentos e fiação elétrica antigos demais para suportar as necessidades do século XXI.

– O inquilino prefere o imóvel reformado. Não quer fazer obra, nem ter problema. E imóvel desatualizado é sempre um risco – explica Edison Parente, vice-presidente da Renascença Administradora.

Mas há um motivo que faz muita gente preferir os imóveis mais antigos: os espaços generosos dos cômodos. Afinal, foi justamente na década de 1970, que começou a haver a compactação dos apartamentos com o surgimento de espaços multiuso como a copa-cozinha e os primeiros condomínios repletos de áreas comum e de lazer na Barra da Tijuca.

– Até então, a sala servia para tudo: reunir a família, receber os amigos, assistir à TV. Por isso, seus espaços eram muito mais generosos – lembra a decoradora Solange Medina, acrescentando que, por outro lado, a época marcou também o surgimento das primeiras suítes e lavabos já que até então os apartamentos tinham apenas um banheiro.

 

Fonte: O Globo, Karine Tavares – 03/08/2014