Enquanto amadurece a ideia de promover novos circuitos culturais, o Instituto Rio Patrimônio da Humanidade quer, antes do aniversário de 450 anos da cidade, tirar do papel outro projeto: transportar o universo das plaquinhas azuis para a internet. O objetivo é criar um instrumento de pesquisa e informação – por site ou aplicativo de celular – que o carioca e o turista possam consultar ali mesmo, na rua.

A partir de um programa de georreferenciamento dos pontos culturais (que dá as coordenadas geográficas de onde a pessoa está) e de um software de reconhecimento de imagens, o visitante poderá apontar o smartphone para qualquer placa e ler – em português, inglês e espanhol – sobre a história do local ou da pessoa homenageada.

O presidente do instituto, Washington Fajardo, defende que as placas, fora da internet, sejam apenas em português, embora haja algumas em outras línguas, como a que indica o Bar Veloso, em Ipanema, como o local onde Tom Jobim e Vinicius de Moraes se inspiraram para escrever “Garota de Ipanema”.

– Temos de privilegiar o nosso idioma, para que a criança e o adolescente se interessem pela história de sua cidade. O carioca precisa conhecer seu passado. Mas, com o aplicativo em outras línguas, queremos atender outros públicos também – justifica.

Quem apontar o celular para a placa do Beco das Garrafas, na Rua Duvivier 37, em Copacabana, por exemplo, vai saber (ou se lembrar) que a pequena travessa é conhecida por ser o berço da bossa-nova. Foi um cenário de efervescência cultural nos anos 60, por onde passaram artistas como Elis Regina, Nara Leão, Sérgio Mendes, Chico Batera, Wilson das Neves e Durval Ferreira.

– O beco já é um patrimônio imaterial do Rio. Ajudou a revolucionar a música brasileira – diz Amanda Bravo, cantora e produtora cultural que é filha de Durval Ferreira.

Ela reabriu, no início do ano, o lendário Bottle’s Bar, que dividiu o cenário com as boates Little Club e Baccara – casas noturnas cantadas nos versos de “Beco das garrafas”, de Alberto Rosemblit e Paulinho Tapajós: “Só eu sei porque/ Morro de prazer/ Caminhando nas calçadas da Duvivier/ Volto a respirar/ As canções do beco de lá/ Lembro a matinê/ Volto a imaginar/ Dá pra ouvir até o som da música no ar”, diz um trecho.

Presidente da Academia Brasileira de Letras em 1998 e 1999, o imortal Arnaldo Niskier vê com bons olhos a ideia de novos circuitos dedicados a escritores e seus personagens. Ele diz que lugares do Rio que habitam os livros de Machado de Assis têm histórias que precisam ser lembradas.

– A Saúde, por exemplo, tem preciosidades do tempo de Machado de Assis que precisam ser preservadas e mostradas aos mais novos. É um alento para a literatura saber que se pensa em contar essa história. Os países desenvolvidos fazem isso – diz Niskier, um entusiasta das plaquinhas. – Aprecio e acho que deveriam existir há tempos.

ÁRVORE, PRIMEIRO BEM TOMBADO

O cuidado com as placas é quase uma obsessão para o presidente do instituto. Elas têm o mesmo tamanho, e a cor é específica. Recém-inaugurado, o Restaurante Momus, no Centro Histórico, vai ter que trocar a sua, diz Fajardo, porque o modelo saiu diferente do padrão. O Momus, na Rua do Lavradio, ocupa o primeiro imóvel reformado com recursos do edital Pró-Apac.

– Acho importante que a população saiba onde é aplicado o dinheiro público. Sobre o padrão, trato isso como se fosse a marca da Coca-Cola. Não pode ter uma vírgula diferente. Se você for à Mangueira, a placa na casa de Dona Zica é igual à do Mercadão de Madureira, que é igual à da Nascimento Silva 107, em Ipanema.

Outras 70 placas mais antigas da cidade, instaladas nos anos 90, não serão modificadas. Uma delas é até mesmo considerada o “avatar” da turma do patrimônio: a que está afixada no primeiro bem tombado da cidade, uma imponente figueira centenária da Rua Faro, no Jardim Botânico. Conta a história que, ameaçada de corte, a figueira foi adotada por moradores, que pressionaram autoridades. Isso nos anos 70, num momento em que o Rio não tinha órgão de patrimônio. A placa foi abraçada pelas raízes da árvore – ficou entranhada.

 

Fonte: O Globo, Isabela Bastos – 15/jun