Reza a lenda que num prédio entregue há alguns anos por uma construtora — falida pouco tempo depois, diga-se —, um morador acordou de manhã, foi ao banheiro e de repente… despencou, com vaso e tudo, para o banheiro do apartamento de baixo. Verdadeira ou não, a história expõe um problema recorrente nos imóveis novos: os defeitos de construção, que muitas vezes só são constatados pelos proprietários depois que eles já estão morando no imóvel.

Encanamentos entupidos, fiação problemática, pintura manchada, piso danificado e ligações definitivas (de luz, água, gás) são as cinco reclamações mais comuns recebidas pela Associação de Proteção e Assistência aos Direitos da Cidadania e do Consumidor (Apadic), que oferece assessoria jurídica a esses casos.

— A maior parte é dos chamados vícios ocultos, aqueles que só vão aparecer com o uso do bem, e são decorrentes, muitas vezes, da má qualidade do material utilizado na obra ou até mesmo por erro de execução — diz Janaína Alvarenga, advogada da Apadic.

Foi o que aconteceu com o funcionário público Carlos Barbosa. Recém-casado, ele ofereceu um jantar para mostrar o apartamento novo ao pai e à madrasta, e na hora de lavar a louça foi a pia que despencou, danificando o armário, feito com recursos próprios pelo casal — e não pela construtora — e molhando toda a cozinha. O incidente, eles descobriram depois, foi o quinto ocorrido no prédio, que tinha cerca de 40 apartamentos ocupados apenas, e havia sido entregue poucos meses antes pela construtora.

Como a empresa ainda estava pelo prédio, já que havia outros problemas, tanto na área comum como nas unidades, a serem resolvidos, o reparo foi rápido: em três dias, a pia foi trocada. Mas, eles ainda tiveram que enfrentar outro problema. Ao instalar o varal de teto na área de serviço acabaram furando uma tubulação de gás, que não aparecia na planta do imóvel fornecida pela construtora. Questão que se repetiu em apartamentos vizinhos.

Para João Paulo Matos, presidente da Associação dos Dirigentes das Empresas de Mercado Imobiliário do Rio (Ademi-RJ), esse tipo de problema costuma ocorrer em obras atrasadas.

— Na pressa de entregar o empreendimento, os acabamentos são feitos na correria, de forma atrapalhada, e os defeitos acabam surgindo — diz Matos, lembrando que é praxe do mercado fazer uma vistoria interna para checar a qualidade da obra antes mesmo da vistoria feita pelo comprador. — O problema é que quando a obra já está atrasada, esse checklist acaba não sendo feito ou é realizado de forma atabalhoada, e os defeitos não são detectados a tempo.

E quando não há atraso?

— Aí, é só erro mesmo. E, por isso, existe uma série de garantias a que os consumidores têm direito— lembra o presidente da Ademi.

Cinco anos para reclamar

Em casos como o de Barbosa, dos chamados vícios ocultos, se a construtora não resolver o problema, o prazo para o comprador entrar na Justiça, reclamando, é de um ano, a contar da constatação ou do conhecimento do defeito. É possível fazer a devolução do imóvel ou pedir abatimento do preço.

— Se quiser entrar com ação por perdas e danos, ou, se for o caso, de reparação do defeito, o Código Civil estabelece prazo maior, de três anos — explica o advogado Hamilton Quirino, especialista em direito imobiliário.

Agora se o problema, ou vício construtivo para usar o jargão do setor, afeta a estrutura do edifício, a garantia chega a cinco anos. Ou seja, o comprador tem cinco anos para reclamar. Não importa se por carta, ata ou e-mail. O importante é comunicar à construtora, dentro deste prazo, que o problema existe. Se for possível, o ideal é fazer uma perícia particular para ter uma prova de que o defeito foi detectado dentro do prazo. E se o problema for em área comum, não dentro de uma das unidades, cabe ao síndico fazer o contato com a empresa.

— Se a questão não se resolver amigavelmente, o prazo para ingresso de ação judicial é de dez anos, a contar do habite-se — completa Quirino, lembrando que há determinados itens, como elevadores, que têm regras próprias. — Todas essas informações estão no manual do proprietário que o comprador deve exigir da construtora, se não receber. É como o manual do carro, da TV. Tem todas as informações e é obrigação da construtora entregar.

Para Janaína Alvarenga, é importante estar atento, desde o momento da compra do imóvel, para não cair em armadilhas:

— Os compradores têm de verificar o que efetivamente está sendo negociado. Todos os detalhes técnicos da construção devem constar do memorial descritivo do imóvel. Que também não podem ser alterados sem a concordância deles.

De olhos bem abertos na vistoria

Outro momento importante é o da vistoria do imóvel. É preciso olhar tudo atentamente, pois se algum problema aparente não for reclamado antes da entrega, também não poderá ser mais tarde. Janaína aconselha até a levar máquina fotográfica para registrar os defeitos, além de lanterna para poder iluminar alguma área específica se houver necessidade. Por conta da claridade, a advogada indica até mesmo que só se faça a vistoria durante o dia, quando a luz é melhor.

A contabilista Viviane Offrede fez a vistoria e percebeu vários pequenos problemas: janela desalinhada, pintura manchada, infiltração num dos quartos. Tudo resolvido antes da entrega. Agora, não consegue se mudar porque a concessionária de gás detectou risco de vazamento nas tubulações e não aprova a obra da construtora. Problema que está na lista dos cinco mais da Apadic.

— As incorporadoras cobram dos consumidores uma taxa para arcar com os custos das ligações entre o empreendimento e o sistema das concessionárias. O problema é que, muitas vezes, estas ligações não atendem aos critérios das concessionárias impedindo o consumidor de ter o serviço prestado — explica a advogada da entidade.

A boa notícia é que a nova norma de desempenho para construção de casas e prédios, que entrou em vigor em julho deste ano, deve dar ainda mais garantias aos compradores, já que as construções que tiverem seus projetos aprovados a partir de então terão que obedecer a regras mais rígidas.

Na verdade, a norma se tornou menos complicada a partir dali. Se, antes, ela estabelecia qual deveria ser a espessura de um tijolo, por exemplo, agora determina o peso que determinado pilar deve sustentar. Ou seja, acabou ficando mais fácil para síndicos e moradores saberem a quem responsabilizar — se aos construtores, projetistas, fabricantes ou incorporadores.

Fonte: Jornal O Globo – 08/09/2013