A influência digital na documentação imobiliária

Ao passo que as novidades tecnológicas avançam, seus benefícios impactam diretamente o mercado imobiliário. Você, corretor de imóveis, que acompanha a Revista Stand já leu matérias que abordaram a questão dos aplicativos no cotidiano de trabalho. Agora chegou a hora de promover um debate mais amplo e destacar a documentação imobiliária sob o olhar do mundo digital.

O profissional da intermediação imobiliária sabe que precisa ter total atenção aos documentos que fazem parte de uma negociação.

E se acontecesse um intercâmbio de informações entre os ofícios de registros de imóveis, o Poder Judiciário, a administração pública e a sociedade em geral por meio eletrônico? Não trata-se de uma utopia. É uma realidade que, mesmo a passos lentos, tende se aproximar em âmbito nacional.

A implantação do sistema de registro eletrônico de imóveis foi iniciada com a publicação da Lei 11.977/2009, como destaca os artigos 37 e 38:

Art. 37.  Os serviços de registros públicos de que trata a Lei no 6.015, de 31 de dezembro de 1973, observados os prazos e condições previstas em regulamento, instituirão sistema de registro eletrônico.

Art. 38.  Os documentos eletrônicos apresentados aos serviços de registros públicos ou por eles expedidos deverão atender aos requisitos da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP e à arquitetura e-PING (Padrões de Interoperabilidade de Governo Eletrônico), conforme regulamento.

Parágrafo único.  Os serviços de registros públicos disponibilizarão serviços de recepção de títulos e de fornecimento de informações e certidões em meio eletrônico.”

 – Os impactos serão imensos. O tempo verbal é o tempo das reformas que ainda estão em curso. A criação do Registro de Imóveis Eletrônico (Lei 11.977/2009) é somente uma etapa inaugural de um longo processo de mudanças estruturais. Pode-se dizer que estamos diante de um novo paradigma – o da substituição dos meios tradicionais de registração por meios inteiramente eletrônicos. Essas mudanças buscam dar respostas efetivas às demandas da sociedade, do mercado e do crédito imobiliário por serviços céleres, seguros e econômicos – comenta o presidente do Instituto de Registro Imobiliário Brasileiro (IRIB), Sergio Jacomino.

 A partir da Lei, o objetivo inicial portanto foi agilizar e desburocratizar as transações imobiliárias, ou seja, criar um sistema em que o acesso ao registro do imóvel e outras documentações relacionadas à unidade estivessem a um clique.

Passado o período de adaptação previsto na Lei, a Corregedoria Nacional de Justiça estabeleceu diretrizes gerais para o Sistema de Registro Eletrônico através do Provimento nº 47/2015. Apesar da medida estar em vigor desde junho do ano passado é importante destacar que pouco se caminhou em relação à efetivação do  registro de imóveis pela internet. Enquanto o processo de implantação ocorre lentamente é necessário entender os impactos que serão provocados no setor imobiliário.

O sistema eletrônico permitirá aos cartórios oferecer o serviço de registro, consulta, acompanhamento e emissão de certidões. Toda essa simplificação dos procedimentos representará uma conquista para o mercado ao facilitar a realização de análises consistentes sobre a situação do imóvel, fundamental para uma aquisição imobiliária segura, além de proporcionar economia com despesas de locomoção, já que em breve não se terá mais a necessidade de ir até o cartório. Em casa ou no escritório poderá ser feito o monitoramento registral da matrícula do imóvel, mantendo o proprietário sempre atualizado quando houver alteração.

Além da transição das informações contidas no papel para a versão eletrônica, através da Central de Registradores Eletrônico, dados de todos os cartórios do país estarão concentrados em um único local representando uma modernização ao setor imobiliário, beneficiando dois públicos-alvo.

Primeiramente, o Poder Judiciário e a administração Pública, que poderão consultar a existência de pendências em imóveis de qualquer local do país, em menor tempo já que esse processo não precisará ser feito mais através de ofícios. Compradores também serão beneficiados pois terão a oportunidade de verificar e imprimir certidões, além de enviar documentos.

Através do sistema outra vantagem é a possibilidade de evitar fraudes nas informações e maior rapidez no acesso à documentação essencial para liberação de crédito imobiliário, já que o banco terá condição de analisar quem são os verdadeiros proprietários e se existe alguma restrição sobre o imóvel de forma online.

Essa preocupação quanto à possibilidade de se ter alguma pendência judicial que recaia sobre o imóvel é iniciativa obrigatória. Caso constem averbações, o comprador de um imóvel com esse perfil assume uma posição arriscada de ter o bem tomado como garantia, havendo uma condenação do antigo proprietário.

Apesar de todos os benefícios listados é importante entender porque ainda não há uma utilização do sistema em todo o país. É o que explica Eduardo Pacheco Ribeiro de Souza, vice presidente do IRIB para o Rio de Janeiro:

– Até o momento não houve a efetiva implementação do registro eletrônico, o Provimento 47/2015 objetiva regulamentar o sistema e determina a criação de centrais de serviços eletrônicos compartilhados em cada um dos Estados e no Distrito Federal. Quanto às centrais, dispõem os §§ 1º e 2º do art. 3º que elas “serão criadas pelos respectivos oficiais de registro de imóveis, mediante ato normativo da Corregedoria Geral de Justiça local” e que “haverá uma única central de serviços eletrônicos compartilhados em cada um dos Estados e no Distrito Federal”, devendo tais centrais coordenarem-se entre si para que se universalize o acesso ao tráfego eletrônico e se prestem os mesmos serviços em todo o país (§ 5º).

Assim, tal como regulamentado, tardaria o Sistema de Registro Eletrônico bastante a alcançar a universalização pretendida, com a prestação dos mesmos serviços em todo o país. A criação de diversas centrais de serviços eletrônicos, para a posterior coordenação entre elas, é uma tarefa árdua.  O vice-presidente do IRIB para o Rio de Janeiro aponta ainda uma melhor solução para a integração dos dados em nível nacional:

– Melhor opção teria sido a criação de uma central nacional de serviços eletrônicos compartilhados. Para além disso, o regulamento determina que sejam mantidos os livros previstos na Lei n. 6.015/73 (art. 6º: “Os livros do registro de imóveis serão escriturados e mantidos, sem prejuízo da escrituração eletrônica em repositórios registrais eletrônicos”), numa evidente duplicação de esforços. Penso que avançamos muito timidamente com o Provimento n. 47.

A expectativa é que se tenha um avanço acentuado na questão do registro eletrônico em todo o país com a publicação da Medida Provisória 759, de 22/12/16.

O artigo 54 da MP prevê que o sistema será implementado e operado em âmbito nacional pelo Operador Nacional do Sistema de Registro Eletrônico (ONR), que será constituído pelo Instituto de Registro de Imóveis do Brasil  em um prazo de 180 dias contados a partir da data de publicação, ficando as unidades de serviço de registro de imóveis dos Estados e do Distrito Federal vinculadas ao ONR.

A criação de uma entidade com a atribuição de implementar e executar o registro eletrônico era indispensável, de modo que a operação do sistema certamente experimentará uma evolução expressiva.

Tempo médio na compra e venda de imóveis

O Sistema de Registro Eletrônico impactará diretamente na questão do período de duração de um processo de compra e venda de imóveis. É fato que o setor registral tem se modernizado. Porém é necessário compreender que uma compra e venda de imóveis engloba diferentes etapas que vão desde a precaução inicial, análise jurídica e econômica, passando pela formalização do acordo até, por fim, chegar ao Cartório de Registro de Imóveis.

– Há um filtro de entrada que impede o acesso de títulos e de negócios jurídicos que possam padecer de defeitos que provocam o litígio e a consequente judicialização do negócio. Existem dois grandes modelos de organização dos Registros Públicos no mundo: os que previnem litígios e conflitos e aqueles que os postergam para solução ulterior em foro judicial. Essa dinâmica já foi muito bem estudada por economistas e o que se pode afirmar é que os primeiros são muitos melhores, pois reduzem o grau de incerteza, degradando os chamados custos transacionais. No primeiro caso, o Registrador realiza um exame minucioso dos títulos, formando um juízo de admissibilidade de seu ingresso no Registro, o que, em regra, leva mais tempo do que no segundo grupo, onde se dá o mero arquivamento dos documentos. Considerado todo esse arcabouço institucional, posso afirmar, com muita segurança, que o tempo do registro no Brasil é bastante adequado se comparado com seus pares mundo afora – ressalta, Sergio Jacomino, que afirma ainda que o número de etapas que antecedem o registro propriamente dito, fazem com que o processo dure 25 dias, em média, até a completude do ciclo.

Mas nas localidades em que o Sistema Eletrônico já está em vigor, o prazo para efetivação do registro pode cair drasticamente, podendo ser concluído em até cinco dias úteis.

– Essa redução no tempo ocorrerá pela celeridade e maior facilidade na obtenção de informações indispensáveis para a celebração dos negócios envolvendo imóveis, como também na troca de informações entre todos os atores do processo envolvendo uma transação imobiliária. Diante da nova sistemática, com a valorização do registro imobiliário, e a rapidez na obtenção das certidões do registro após implementado o sistema eletrônico, certamente a redução do tempo nas negociações será bastante significativa – comenta o Eduardo Pacheco.

Corretores de Imóveis: prudência nas negociações continuará indispensável

Mesmo a partir da implantação do registro eletrônico a cautela na análise dos documentos pertinentes às negociações imobiliárias continuará fundamental.

– Sendo ultimada ou não a implantação em nível nacional das certidões eletrônicas, o corretor de imóveis deverá continuar sendo diligente e prudente, nos termos do art. 723 do Código Civil, da Lei nº 6.530/78, do Decreto nº 81.871/78 e do Código de Ética Profissional (Resolução-COFECI nº 326/92), entre outras legislações. Ele deverá fazer o que diz a lei e ir além dela, para proteger os clientes e a si mesmo, principalmente com relação à aplicação cega da lei colcha de retalhos que quer esconder os problemas contra o vendedor e sobre o imóvel “debaixo do tapete” e que poderá institucionalizar o calote nas dívidas civis sem garantia real. A referida Lei é a de nº 13.097, publicada no dia 20/1/15, que trata, entre outros assuntos, do princípio da concentração dos atos na matrícula, embora o seu enunciado não tenha trazido uma palavra sequer sobre tão relevante instituto. A Lei nº 13.097/15 pensa que dois anos são suficientes para efetivar complexas mudanças jurídicas, administrativas e operacionais, que o Brasil é a Noruega, que registro de imóvel é DETRAN, que imóvel é carro e que a certidão de ônus reais é a “rainha da cocada preta” – explica o especialista em Direito Imobiliário, Paulo Roberto Xavier, que complementa sobre a referida Lei 13.097/15:

– Veio para legalizar a ilegalidade praticada há décadas pelos bancos, agentes financeiros e por cartórios de vários estados, qual seja, a exclusão da obrigatoriedade da apresentação das certidões de feitos ajuizados na assinatura dos contratos imobiliários (art 59). O profissional diligente e prudente não permitirá tal prática enquanto não houver pacífico entendimento no STJ – Superior Tribunal de Justiça sobre a exclusão mencionada trazida pela Lei. O credenciado que não é leigo, mas sim profissional, considerará que, pela referida Lei, as certidões de feitos ajuizados passaram de obrigatórias a facultativas, mas elas continuarão a ser imprescindíveis para a análise de risco dos negócios imobiliários.

É importante destacar que enquanto em alguns Estados o sistema de registro eletrônico está em operação em outros ainda está processo de desenvolvimento. Esta última situação ocorre no Rio de Janeiro.

– Falando especificamente dos Registros de Imóveis do município do Rio de Janeiro, os registros e averbações ainda não são eletrônicos. Ou seja, eles continuam sendo feitos pelo sistema tradicional e não creio que tal situação mude a curto e a médio prazo pela complexidade de tal implantação. Lamentavelmente, tal qual ocorreu com o processo judicial eletrônico, a carroça foi colocada na frente dos bois. Em nível nacional, a dimensão continental do país, as múltiplas peculiaridades regionais, o acesso ineficaz à internet, a diversificada arrecadação dos cartórios, os quais vão de extremamente lucrativos à deficitários, a dificuldade na obtenção de material humano e tecnológico compatível com as necessidades e a quebra de paradigmas seculares, principalmente o cultural, entre outros fatores contribuem para a não implantação do Registro Eletrônico – finaliza Paulo Roberto Xavier.