Era ficção, mas havia uma pegada de realidade no perfil dos personagens. Carminha e Tufão, da novela Avenida Brasil, eram ricos, mas passaram todo o folhetim morando num bairro do subúrbio carioca. Assim como os dois, há muitos moradores da Zona Norte e da Zona Oeste com alto poder aquisitivo que não trocam o lugar onde vivem pela Zona Sul ou Barra. Aliás, conforme mostra uma pesquisa da agência de publicidade NBS, em parceria com a Casa 7 Núcleo de Pesquisa, entre a chamada população classe AC do subúrbio – com renda alta, mas com códigos de comportamento e consumo da classe média -, a maioria esmagadora pensa assim: 99% dos entrevistados disseram ter orgulho do local onde moram. E 93% afirmaram ter uma relação afetiva com o subúrbio.

 Identidade e inclusão

A primeira etapa da pesquisa, com 300 questionários, pretendia descobrir quem da classe A (de 30 a 60 anos) se identificava com a classe C. Do total, 75% (com renda familiar superior a R$ 7 mil por mês) se encaixavam nesse perfil, batizado de AC. Na segunda etapa, com 200 entrevistados, os comportamentos, crenças e hábitos foram aprofundados com novas perguntas. Tendo como primeiro critério a renda, o levantamento buscou entender por que pessoas com condições financeiras para viver em áreas nobres da cidade preferem continuar morando no subúrbio.

Tatiana Soter, diretora de atendimento da NBS, agência que mantém o projeto Riologia, um estudo permanente sobre perfis do Rio, faz um raios X do que pensa esse grupo.

– A maioria dos entrevistados disse que, se saísse do subúrbio e fosse para a Barra, perderia mais do que ganharia. Eles vivem a cidade de forma mais ampla. É o “eu tenho carro e posso ir quando eu quiser para a Zona Sul, para a Barra”. É o conceito de cidade estendida. Eles são adaptáveis – afirma a diretora da NBS, que também chama esse grupo de “suburbanos por opção”. – Eles acham que as pessoas da Zona Sul e da Barra são mais sozinhas, menos sociáveis, e 88% deles dizem que ajudam os vizinhos ou são ajudados por eles. Há um conceito entre eles de comunidade que é mais acolhedor.

O estudo mostra ainda que 66% possuem ensino superior completo, e 88% têm filhos. Do total, 78% moram em casa, e não em apartamento, sendo que 72% têm como hábito de lazer receber a família e os amigos. A pesquisa também abordou a questão da violência, tradicionalmente mais associada a esses bairros: 57% se sentem seguros no subúrbio, e 45% acreditam que lá há mais segurança que em outras áreas da cidade.

A diretora da NBS explica que, quando o assunto é consumo, os entrevistados mostram que não se interessam tanto por marcas e que os verbos comprar e ter estão diretamente relacionados ao sentimento de pertencimento, e não de diferenciação.

– Eles não querem se vestir diferente, terem carro que vizinho não tem. Eles querem estar incluídos. – diz.

O empresário Jorge Luiz Garcia fazia compras no Mercadão de Madureira quando foi abordado pela equipe do Riologia. Professor de português aposentado e sócio de uma rede de cafeterias em hospitais públicos, Jorge hoje tem dinheiro suficiente na conta para viver confortavelmente num bairro como a Barra, mas prefere a simplicidade da sua casa em Quintino. Ou melhor, das suas duas casas em Quintino, sendo que uma é só para “relaxar”.

Aos 56 anos, ele mantém um pequeno imóvel numa vila típica do bairro – com direito a santos em azulejos decorando as fachadas – para descansar e reunir os amigos e parentes em churrascos regados a cerveja. Talvez o único luxo aparente desse morador apaixonado pelo subúrbio sejam as pulseiras e correntes pesadas de ouro que exibe. Ele conta que, além de joias, também gosta de gastar com perfumes importados, roupas e sapatos – estes, ele manda fazer sob medida em Cascadura.

– Tenho coleção de sapatos. Guardo de 48 a 52 pares. Quanto às roupas, se passei na loja e gostei, eu compro. Não ligo para marcas – conta o empresário.

Jorge é formado tanto em Letras quanto em Direito. No passado, chegou a ganhar dinheiro com carnaval, comandando alas da Caprichosos de Pilares. Sua escola do coração é o Império Serrano e, ao lado do espiritismo, cultiva devoção por São Jorge. Ele vive de duas aposentadorias como professor e do lucro com as cafeterias, entre elas uma no Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia (Into). Hoje ele constrói uma casa de veraneio em Praia Seca, na cidade de Saquarema, na Região dos Lagos.

– Só trocaria Quintino por um buraco da família chamado Inhaúma. Para mim, isso aqui é tudo! – brinca Jorge, que no dia de São Jorge (23 de abril) faz uma tradicional feijoada para os amigos.

 Viagens a Cabo Frio

Edna Maria Barreto de Gouvêa conta, sentada numa mesa da praça de alimentação do Norte Shopping, que trabalha 24 horas por dia para poder viajar. Como tem medo de avião, ela curte ir para a Região dos Lagos. Ela, que tem 52 anos, e o marido, funcionário público federal, chegam a ficar um mês direto hospedados em hotéis de Búzios e Cabo Frio. Com a renda de dez casas alugadas em Cavalcante, onde mora, e os lucros de uma firma que fornece uniformes e roupas para eventos como maratonas, ela quer este ano realizar um desejo: ter uma picape de última geração.

– Como sou apaixonada por carros quero uma picape, a última do momento, toda preta. Com essa violência, quero até os vidros pretos. Quem não se sentiria poderosa lá dentro? – comenta a empresária, também professora de educação física e personal trainer, hoje dona de um Siena.

Entrevistada pelo Riologia, Edna tem uma renda familiar que ultrapassa R$ 10 mil por mês e é do time que não quer sair da Zona Norte. Mãe de uma universitária de 20 anos, Edna mora com a estudante e o marido numa casa de quatro quartos e garagem para quatro veículos.

– Não vejo por que sair de Cavalcante. Vejo mais motivos para ficar. Eu moro num lugar pacato, com velhinhos conversando na calçada. Quando quero ir para qualquer lugar pego o carro, a Linha Amarela, e vou – diz.

Fonte: O Globo – 12/01/2014