Mais do que uma mudança na paisagem, a derrubada do Elevado da Perimetral, cujo primeiro trecho foi ao chão na manhã de domingo, poderá significar uma revolução paisagística e cultural no Rio. É o que apostam urbanistas. O fim da barreira de concreto, de quase cinco quilômetros de extensão, vai integrar museus e centros culturais, resgatar cenários históricos da cidade, como o da Praça Quinze quando da chegada da Família Real Portuguesa, além de devolver a vista para a Baía de Guanabara que estava encoberta. À medida que as obras avancem e os escombros sejam retirados, um Rio novo vai emergir como se saído, em parte, de uma antiga fotografia. A Zona Portuária é uma das áreas mais remotas da cidade.

Na lista dos que mais ganham com a derrubada do Elevado, é quase unanimidade a percepção de que a degradada Avenida Rodrigues Alves será a maior beneficiária da mudança. Os prédios construídos ali e sufocados pela proximidade do viaduto poderão ter de volta sua vista para a Baía. Ganham os moradores locais, assim como quem passará a circular por ali, a fazer caminhadas impensáveis numa área até então cinza, de grande circulação viária e sem atrativos. As calçadas da Rodrigues Alves voltarão a receber luz solar, e a proximidade com o mar, sem os entraves do pilares de sustentação do elevado, dará um certo clima de orla ao Porto.

– Todo aquele trecho em que ficava a Perimetral é de baixa qualidade: escuro, confinado, um dos lugares mais feios da cidade. Agora vamos corrigir esse erro. A Rodrigues Alves ganha, ficará ensolarada e livre. Antes da construção da Perimetral, era um lugar lindo, eu tenho essa memória. Agora, poderá ser frequentada pelas pessoas que moram ali. Poderão chegar aos armazéns sem nenhum entrave. É uma nova Avenida Atlântica – aposta o arquiteto Flávio Ferreira, doutor em urbanismo pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Símbolo histórico do Rio, a Praça Quinze é outra área do Rio que deverá ser valorizada a longo prazo, já que a demolição daquele trecho do Elevado está prevista numa etapa futura da obra. O GLOBO simulou como ficará a paisagem da praça, considerada o marco zero da fundação do Porto. Apesar de estar a uma distância maior dos prédios, ao contrário do trecho que já foi demolido, a Perimetral ali funciona com um tapume de obras importantes: entre elas, o Paço Imperial e o Chafariz do Mestre Valentim, construído à beira do cais onde desembarcou a Família Real em 1808, mudando completamente o destino do país.

– A Praça Quinze representa a memória da fundação da cidade. É uma referência histórica não só para o Rio de Janeiro, mas para todo o Brasil. A Perimetral funciona como um tapume da Praça, do Paço Imperial e de sua história. A cidade toda ganhará, é uma área central do Rio com enorme potencial de desenvolvimento – diz Fabiana Izaga, vice-presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB-RJ).

Para o arquiteto Luiz Fernando Janot, o fim do Elevado representa o encontro da cidade tradicional com a nova, que se dará principalmente na Praça Mauá:

– O melhor trecho é aquele sem tráfego na extensão da Praça Mauá com a Avenida Rio Branco, no encontro da cidade tradicional com a nova. É a conexão de centros culturais da cidade, como o do Banco do Brasil e o MAR. Eu era contra a derrubada, achava que seria um desperdício de dinheiro público, mas umas das justificativas era transformar aquela área num lugar aprazível, com superfície. Então, que a gente possa então ter um desenho urbano de ótima qualidade, que o acesso ao Cais do Porto seja livre e desalfandegado.

Tão importante quanto a saída da Perimetral da região é a implantação do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT), que transformará o Porto numa área de circulação e não mais de passagem. O lugar, segundo o secretário municipal de Cultura, Sérgio Sá Leitão, abriga o melhor roteiro cultural do Rio:

– Com o VLT e as conexões com os demais meios de transporte, o Porto deixará de ser uma área de passagem. Trata-se de uma das regiões mais ricas da cidade em termos culturais. E agora os cariocas de todas as partes poderão vivenciar suas atrações, como o MAR (Museu de Arte do Rio), o (Centro Cultural) José Bonifácio, o Armazém da Utopia, o Galpão Gamboa e, a partir de 2015, o Museu do Amanhã. Essa é a questão central. O acesso será fácil e rápido e fará com que a ida ao Porto se transforme num passeio de um dia.

Sérgio Magalhães, presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB-RJ), acredita que a derrubada da perimetral permitirá que novas ideias urbanísticas fluam.

– O prefeito do Rio (Eduardo Paes) interveio em uma estrutura de grande alcance. Como desdobramento, tenho confiança que sistemas de transporte de alta capacidade, como trens e metrô, finalmente serão tratados no interesse metropolitano e da população. Isso será benéfico à recuperação do Centro, à despoluição da Baía de Guanabara e ao fortalecimento de vetores urbanísticos que se opõem ao espraiamento da cidade – aposta Magalhães.

Fonte: Jornal O Globo – 26/11/2013