Um prédio que funcione como uma árvore. Parece uma ideia maluca? Pois essa é apenas uma das ideias defendidas pelo químico alemão Michael Braungart. Criador do conceito cradle-to-cradle – em tradução literal, do berço ao berço -, ele acredita que tudo, absolutamente tudo o que é produzido pelo homem, deve ser feito com materiais que possam ser usados e reusados em ciclos infinitos ou que se decomponham naturalmente se transformando em fertilizantes para assim não causar qualquer impacto negativo na natureza.

Radical? Certamente, mas o professor – que lançou por aqui o livro “Cradle-to-cradle” (da editora GG Brasil) somente este ano, com 12 anos de atraso em relação à edição original – tem fãs célebres como Brad Pitt e presta consultoria a grandes multinacionais que vão das montadoras Volkswagen e BMW à fábrica de lingerie, Triumph.

Conversamos por e-mail com o professor Braungart que fala de questões como gestão de resíduos, ciclo de vida dos materiais e sustentabilidade.

O senhor acha que o mundo avançou na questão da sustentabilidade nesses 12 anos que se passaram desde que escreveu o livro “Cradle-to-cradle”?

A maneira como a gente vê a sustentabilidade hoje tem mais a ver com fazer “menos mal” do que com ser realmente bom. A maioria dos projetos sustentáveis são focados na redução de perdas de produção, do consumo de água e energia, assim como no uso de novos materiais que minimizam o esgotamento dos recursos. Mas, a química desses novos materiais pode ser igual e até pior que de suas antigas versões. Isso é uma ameaça para a nossa saúde e para o meio-ambiente. O objetivo não deveria ser causar menos impacto, mas causar um impacto positivo. Mas, acredito que sim, nós avançamos. E estamos nos encaminhando para uma nova revolução industrial, na qual o conceito de cradle-to-cradle conduz a um movimento crescente dedicado ao desenvolvimento seguro de materiais e produtos.

Então, aplicar o conceito de cradle-to-cradle seria uma questão de sobrevivência…

Temos que nos preocupar com os materiais que usamos tanto como nos preocupamos com o consumo de água e energia ou a emissão de carbono. Essas são questões importantes, claro, mas não deveriam ter mais importância do que a qualidade do ar dentro dos prédios, por exemplo, pois isso influencia diretamente a saúde de seus ocupantes. E os arquitetos vêm usando materiais dos quais não temos informação suficiente para saber que tipo de riscos podem trazer para a nossa saúde e para o meio-ambiente.

Como o senhor vê a questão da gestão de resíduos atualmente?

Na natureza, resíduo é comida. Tudo é nutriente para alguma outra coisa. Entender como funcionam os processos naturais permite que arquitetos e designers reconheçam que qualquer material pode ser visto como um “nutriente”. Então, nossa produção não deveria ter nenhuma perda ou desperdício. O design cradle-to-cradle tem uma filosofia completamente diferente. Ele é baseado no ciclo natural dos nutrientes. E na natureza, não há perdas. Os processos atuais de reciclagem são downcycling, ou seja, reduzem a qualidade do material durante vários ciclos de vida até que ele não tenha mais utilidade. Por isso defendo o upcycling, que é o reuso dos materiais na criação de novos produtos, depois de sua vida comercial. Com isso, eles podem circular na indústria indefinidamente.

O Brasil não tem uma política de análise do ciclo de vida dos materiais. Essa não deveria ser uma preocupação tanto das indústrias quanto dos governos?

É muito importante analisar o ciclo de vida dos materiais e é essencial que a gente os devolva à indústria, para que sejam aproveitados. Para que isso aconteça, governos, indústrias, designers e consumidores precisam entender que tudo aquilo que usamos hoje deve ser apto a retornar à indústria indefinidamente. Chegou a hora de adotar estratégias que resolvam o problema em vez de simplesmente aliviar as questões associadas à produção.

O senhor é um crítico da arquitetura que é reproduzida da mesma forma em qualquer cidade do mundo…

Variação e diversidade podem não ser eficientes, mas são extremamente eficazes. O conceito de cradle-to-cradle é justamente sobre eficácia e benefícios. Nós não pensamos em desperdiçar menos ou causar menos efeitos negativos. Pensamos em causar impactos positivos. Imagine, por exemplo, prédios que produzam oxigênio, sequestrem carbono da atmosfera, purifiquem a água, use, a energia solar como “combustível” e sejam bonitos. Uma árvore faz isso.

 

Fonte: O Globo Online – 13/11/2014