Tudo começa com um pouco de euforia, uma mistura de alegria e medinho. E, aos poucos, as caixas, papéis e despedidas vão ganhando atenção na nova empreitada. É a tal da mudança. Não importa qual o próximo destino – se é na esquina, em outra cidade, bairro ou, quiçá, país -, trocar de endereço sempre tem lá suas agruras e, claro, suas recompensas.

Quem já passou pela experiência jura que vale a pena. Alguns até repetem. Ir além do conhecer para poder vivenciar novas culturas, desapegar-se de um lugar e o prazer de recomeçar são algumas das delícias apontadas por quem já empacotou uma casa inteira por várias vezes. Muitos moradores compram o imóvel entre uma troca e outra, mas a maioria acaba optando pelo aluguel mesmo.

É o caso da atriz Flavia Milioni, de 35 anos, que já teve 29 endereços. Sim, isso mesmo! A paulista começou a se mudar com os seus pais: até os 10 anos, já tinha morado em quatro casas. Ao todo, nas últimas três décadas e meia foram cinco cidades, sendo que, só no Rio, passou por Copacabana, Leblon, Ipanema e Humaitá.

– Eu me sinto nômade, pois são praticamente dois endereços por ano. As mudanças foram acontecendo, por diferentes razões. Por um lado, é bom porque não me sinto presa às convenções. Se está bom, eu fico. Se não, eu mudo. Por outro, gostaria de me assentar – diz a atriz, que agora reside na Glória, onde garante que quer ficar ainda por um bom tempo.

– O bairro foi uma grata surpresa. Pensei que seria difícil, mas adoro, pois tem a feira orgânica, as praças por perto, e estou próxima de todo tipo de transporte e serviço. Caminho sempre no Aterro, e tem uma vista incrível para a mata de dentro da minha casa. Não quero sair daqui tão cedo. Tanto que, recentemente, comprei um piano, que é trabalhoso de transportar. Isso representa uma espécie de âncora para mim – brinca.

Os encantos cariocas também foram cruciais para que a publicitária Marília Fujiwara decidisse incluir a cidade maravilhosa em sua lista de endereços. Ela, que é de Maringá, no Paraná, já morou nos Estados Unidos, Barcelona e São Paulo, e queria uma qualidade de vida melhor, um lugar em que pudesse estar em maior contato com a natureza. Foi então que deixou a capital vizinha e veio para o Rio, para ter acesso fácil às trilhas, vistas, praias e à Lagoa, onde costuma correr.

– Em São Paulo, eu não tinha esse contato com a natureza que eu tenho aqui – explica.

Para ela, achar um imóvel no Rio com uma boa localização, que lhe permitisse fazer boa parte das suas atividades a pé, com garagem e que, mesmo que fosse mais antigo, estivesse em perfeito estado, foi um desafio. Depois de uma busca intensa, a publicitária achou um cantinho para chamar de seu no Jardim Botânico, em um endereço que atende a todos esses requisitos.

O lado B

Mas levantar acampamento, embora irresistível para alguns, exige também planejamento e uma dose de paciência. A saga da busca por um imóvel novo inclui trocar a titularidade das principais contas – como água, luz e gás -, além do seguro locatício. Ter um fiador é a garantia mais comum pedida para se fechar um contrato de aluguel no Rio. Porém, levando-se em consideração que esta é uma terra que concentra muitos migrantes, a modalidade é considerada também a mais penosa para quem está chegando agora, uma vez que quase todas as imobiliárias pedem que esse fiador seja proprietário de imóvel na cidade, e esses candidatos a locatário têm suas referências e contatos em outros lugares.

As dificuldades de conseguir um fiador e de empacotar a mudança foram sentidas pelo engenheiro civil Taylor Names. Ele é americano e está no Brasil desde 2012. Antes disso, além de na sua terra natal, já tinha morado no México, Espanha, Grécia, Itália e (ufa!) França, totalizando 12 logradouros diferentes em suas correspondências.

– A garantia de fiança do contrato foi mais difícil do que eu pensava. Nos Estados Unidos é diferente, pois você tem que entregar um histórico dos lugares onde já alugou, com os contatos dos donos dos apartamentos anteriores, mas não precisa de um fiador. Lá, é necessário deixar uma quantia caução de mais ou menos o valor de um aluguel apenas.

Marília acrescenta à lista de dificuldades comuns nas mudanças a precaridade nos serviços e problemas com as entregas de móveis e eletrodomésticos, assim como a adaptação à cidade. A franco-libanesa Fani Rahme sentiu na pele esses obstáculos e transformou o limão em limonada. Mesmo tendo passado por seis cidades, em cinco países (Líbano, Austrália, França, Argentina e EUA), a adaptação não foi tranquila quando chegou ao Brasil, há 19 anos, com um bebê de três meses.

Ao ver que outros expatriados passavam pela mesma situação, foi trabalhar em uma multinacional, justamente ajudando esses migrantes e serem inseridos na nova cidade. Foi assim que ela, há dois anos, decidiu abrir sua própria empresa de relocation (como é conhecida a prática no mercado), a Asap, auxiliando desde o transporte da mobília até a fazer compras no supermercado.

Ela concorda com Marília que a maior barreira em uma mudança é a prestação de serviços. Mas, pondera que esse pode ser o maior facilitador também. É tudo uma questão de planejamento, e há algumas técnicas para otimizar o processo, conta. Como já está craque em por e tirar roupas e objetos de caixas, Fani, que concedeu a entrevista durante a sua 13ª mudança – sim, porque ela está trocando de endereço de novo – já tem alguns procedimentos padronizados.

O principal, segundo ela, é trocar a titularidade das contas do imóvel enquanto se faz os ajustes, como colocar cortinas, e uma boa faxina. O ideal, explica, é aproveitar esse período, de uns 10 dias, para resolver tudo, inclusive marcar as entregas e serviços. Se puder separar um ou dois dias apenas para isso, melhor ainda. Assim, ao se mudar, a nova casa já estará estruturada, pronta para receber os objetos e móveis. Outra dica é começar a encaixotar seus pertences pelos quartos, seguido por salas e cozinha.

– Comece a colocar tudo nas caixas com duas semanas de antecedência e as separe com etiqueta por cômodo. Outra orientação é que cada morador faça uma mala com roupas para 15 dias, a fim de evitar ter que recorrer ao material já empacotado.

A última recomendação de quem está há um tempo nessa estrada é abrir-se para a nova vida. Nisso, todos são unânimes: a disposição é o que vai definir como será a sua estadia.

– Seja para onde for, não faça comparações e viva o lugar onde está. Quando você abraça o Rio, ele te abraça de volta. – define Fani.

 

Fonte: O Globo – 11/10/2015