A concepção de uma casa conectada, onde as tarefas são automatizadas e podem ser feitas com o mínimo esforço, não é novidade. Há anos tenta-se, sem muito sucesso, fazer com que esse conceito vire realidade. Agora, no entanto, empresas de tecnologia e fabricantes de eletroeletrônicos parecem mais próximos de convencer o consumidor a aderir à essa tendência.

Há duas razões principais para essa animação no mercado. Primeiro, ficou muito mais fácil deixar a casa conectada. Antes, o usuário precisava quebrar paredes para ter o privilégio de acender a luz com um comando de voz ou abrir e fechar as cortinas com um controle remoto. Além da dor de cabeça para reformar os cômodos, ainda se pagava caro para levar o projeto adiante.

Os produtos que têm chegado ao mercado – e vão ganhar um ritmo de lançamentos ainda mais acelerado nos próximos meses – são diferentes. Os aparelhos têm sensores que facilitam sua interação com outros equipamentos e permitem ao dono da casa controlar tudo de forma mais simples, sem a necessidade de reformas dispendiosas.

É a chamada “internet das coisas” ou tecnologia M2M (do inglês machine-to-machine).

O outro ponto que vem estimulando o conceito da casa conectada é que as aplicações mais recentes vêm se mostrando mais úteis que as do passado. Anos atrás, comandar a banheira a distância era anunciada como uma das principais atrações residenciais. Os sistemas permitiam ao usuário encher a banheira de dentro do carro, enquanto dirigia para casa, determinando a temperatura da água, sem o risco de transbordamentos. A questão é simples: no Brasil, quantas pessoas têm banheira em casa? Das que tem, quantas a usam? E das que usam, quantas veem benefício em acioná-la antes de chegar em casa?

Uma profusão de produtos exibidos na Consumer Electronics Show (CES), encerrada há cerca de dez dias em Las Vegas, mostra que os fabricantes estão mais atentos às necessidades reais das pessoas. As coreanas Samsung e LG mostraram centrais de comando que multiplicam as funções de eletrodomésticos, como máquinas de lavar roupa e fogões, e dão ao usuário um controle mais efetivo do que acontece em sua casa.

O sistema da LG funciona como um assistente pessoal digital. Por meio de um aplicativo de mensagens – o primeiro parceiro habilitado é o japonês Line – o consumidor “conversa” com sua casa. Por exemplo, pode perguntar se o forno ficou ligado e, em caso afirmativo, mandar desligá-lo. A Samsung criou seu próprio aplicativo, que funciona de maneira semelhante, mas aceita comandos de voz, como o de apagar as luzes.

Os sistemas, no entanto, só vão funcionar com as novas gerações de eletroeletrônicos que as duas companhias vão lançar a partir deste ano. Ou seja, para aproveitar as facilidades, será necessário reequipar a casa.

A americana Lowe’s apresentou na CES dois aparelhos que ajudam a evitar gastos desnecessário. Ambos são ligados à rede de água da casa. Um deles monitora o fluxo e identifica se há vazamentos. O outro funciona como um registro digital. Pelo celular, o usuário pode cortar o abastecimento caso perceba algo anormal.

Várias companhias francesas estão se destacando na automatização residencial. A Parrot criou o “Flower Power”, um sensor que é colocado no jardim e manda mensagens no celular para avisar se as plantas precisam de cuidados específicos, como ser regadas. A Kolibree, uma empresa iniciante, projetou uma escova de dentes inteligente, capaz de detectar se a escovação está sendo feita da forma correta. O produto registra o número de escovações feitas diariamente e indica as áreas que exigem mais atenção.

A expectativa é que o número de dispositivos residenciais conectados se multiplique à medida que as tecnologias fiquem mais baratas e sejam adotadas por um público maior. Em 2010, existiam 5 bilhões de aparelhos conectados no mundo, segundo a Ericsson, fabricante sueca de equipamentos de telecomunicações. Em uma década, esse número vai aumentar dez vezes, para 50 bilhões em 2020, prevê a companhia.

O cenário futuro está atraindo a atenção de grandes companhias globais que até agora não haviam manifestado interesse na área. Na semana passada, o Google pagou US$ 3,2 bilhões pela Nest, uma companhia iniciante americana que se tornou uma estrela em ascensão tanto pelo design como pela facilidade de uso de seus produtos. Foi a segunda maior aquisição na história do Google, atrás apenas da Motorola Mobility.

Um exemplo do que faz a Nest é o termostato que leva o nome da companhia. O dispositivo, que pode ser instalado pelo próprio consumidor, acompanha a rotina da casa e toma decisões com base nesse aprendizado. Ao detectar que os moradores saíram, por exemplo, o termostato reduz a temperatura da casa para reduzir as despesas com energia.

O interesse renovado dos fabricantes – e, espera-se, do consumidor – não significa que todos os desafios para a casa conectada tenham sido superados.

Um dos problemas é que cada fabricante tem seu próprio aplicativo de controle dos equipamentos. Ou seja, do jeito como está hoje, o usuário precisa administrar uma série de softwares diferentes que não conversam entre si. Quanto mais produtos ele conectar, maior a complexidade. Para traçar um paralelo, é só lembrar como é difícil administrar as diferentes senhas exigidas pelos serviços on-line.

Isso é comum no mundo da tecnologia. Quando uma tendência ganha força, vários sistemas passam a disputar a supremacia. Basta lembrar da batalha ocorrida nos anos 80 entre o Betamax e o VHS pelo domínio dos videocassetes. Com o tempo, o problema costuma ser resolvido. Ou um sistema torna-se o claro vencedor, eliminando os demais, ou os fabricantes criam conexões que permitem a convivência entre vários padrões diferentes.

Fonte: Valor Econômico – 21/01/2014