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Se o prefeito Marcelo Crivella pretende começar a rever as regras do IPTU pelos contribuintes que não pagam o imposto, o universo sobre o qual ele terá de se debruçar é grande: oficialmente, segundo sua própria equipe, os donos de 638 mil imóveis – 33,17% de 1,9 milhão de cadastrados – nem recebem o carnê porque também são isentos da Taxa de Coleta de Lixo (TCL). Mas o número pode ser maior. Técnicos da Secretaria de Fazenda calculam que, no total, 60% dos proprietários cadastrados ficaram livres do imposto em 2016. Nesta conta, estão os que só precisavam quitar a TCL e os que se valiam de leis específicas, como a isenção garantida pela Constituição Federal para templos religiosos. O número surpreende ainda mais porque o emaranhado de construções irregulares, como na maior parte das favelas, não está na base de dados de cobrança do IPTU. Sem levar em consideração essa cidade informal, só em 2015 a renúncia de receitas de IPTU chegou a R$ 681,3 milhões, segundo dados do Tribunal de Contas do Município (TCM).

O valor corresponde a 29,07% dos R$ 2,34 bilhões que entraram nos cofres do município com o imposto naquele ano. Já em 2016, a receita foi menor: R$ 2,29 bilhões – conforme dados do Portal Rio Transparente, com números que ainda podem ser atualizados. Além das isenções, a arrecadação sofre com a inadimplência. De acordo com a Procuradoria Geral do Município, cerca de 200 mil proprietários estão inscritos na dívida ativa porque deixaram de pagar o imposto em diferentes exercícios. Há ainda aqueles contribuintes que estão sendo cobrados administrativamente pela Fazenda. Em dezembro de 2016, diz a secretaria, a dívida total chegava a R$ 300 milhões.

– É uma questão que não atinge só o Rio. Os impostos sobre patrimônio são historicamente esvaziados no Brasil. Mudanças na cobrança do IPTU podem gerar um desgaste político entre o governante e a população. As isenções acabam sendo uma moeda de troca política – diz o especialista em direito tributário Felipe Renault, sócio do escritório Salusse Marangoni Advogados. – Parte significativa das pessoas ainda reside em moradias informais, sem cobrança de IPTU. Acaba que só uma parcela da população paga por todos.

Agora, Crivella promete um pente-fino na cobrança. Pelas várias leis que tratam do assunto, as justificativas para as isenções são muitas. Imóveis que têm a soma de IPTU e TCL por volta de R$ 90 ficam automaticamente dispensados do imposto. Esses representam grande parte dos 638 mil que não precisam arcar com o imposto nem com a taxa de lixo.

Pela Constituição Federal, além de templos religiosos, sedes de sindicatos, partidos políticos, instituições beneficentes de educação e assistência social e imóveis dos governos, de autarquias e fundações mantidas pelo poder público estão imunes do IPTU.

Outros, são beneficiados por legislações municipais. Nessa seara, há de tudo. Estão incluídos, por exemplo, imóveis de ex-combatentes da Segunda Guerra Mundial. Se o militar morrer, o benefício é estendido inclusive à viúva, ao filho menor ou inválido, assim como, segundo a própria lei, a “concubinas” com quem ele tenha vivido por pelo menos três anos seguidos.

Ficam desobrigados do imposto também imóveis de missões diplomáticas, para fins agrícolas ou avícolas, utilizados por confederações e federações esportivas, associações de moradores, teatros, usados exclusivamente como museu, os de empresas da indústria cinematográfica, salas de cinema, editoras de livros e centros e tendas espíritas. O mesmo vale para aposentados e pensionistas com mais de 60 anos, com renda mensal total de até três salários mínimos, titular exclusivo de um único imóvel, utilizado para sua residência e com área de até 80 metros quadrados.

O Polo Rio Cine & Vídeo, na Barra da Tijuca, é um dos endereços isentos. São oito estúdios, numa área de 60 mil metros quadrados, sendo cerca de 20 mil de área construída. Idealizador e ex-presidente do polo, Claudio Petraglia, que atualmente é diretor de comunicação, diz que, sem o benefício, o complexo não teria como continuar. Segundo ele, lá são rodados longas-metragens, documentários, musicais, DVDs, programas de TV, novelas, campanhas políticas, entre outros trabalhos audiovisuais. Petraglia afirma que cada produção costuma empregar pelo menos 300 pessoas.

– É uma associação privada sem fins lucrativos. Diretores não recebem salários. O objetivo é dar apoio à produção audiovisual, que dá mais emprego que a indústria automotiva – defende Petraglia. – É uma cidade que vive de turismo e é capital do entretenimento. Portanto, tem que produzir – conclui.

Imóveis de interesse histórico, cultural, ecológico ou de preservação paisagística e ambiental também entram na lista de isentos. A condição é de que eles sejam reconhecidos pelo município como tal e respeitem as características originais do prédio. Augusto Boisson, presidente da Sociedade Amiga do Leblon e Adjacências, no entanto, reclama que proprietários de prédios dentro das Áreas de Proteção do Ambiente Cultural (Apacs) recebem carnês de IPTU. Ele defende não só uma revisão dos imóveis hoje apacados, como isenção do imposto para os incluídos nessas áreas.

– Só não paga IPTU se o imóvel for totalmente original, inclusive sem grades de segurança. Como isso não existe, na prática todo mundo paga – afirma ele. – No mínimo, a prefeitura precisa oferecer isenção. Os proprietários não recebem qualquer benesse para manter o imóvel preservado – defende.

Outra lei garante ainda isenção a donos de terrenos em loteamentos irregulares ou clandestinos destinados a pessoas de baixa renda, desde que seguindo alguns parâmetros. A Secretaria de Fazenda, no entanto, ressalta que não há isenção prevista para imóveis localizados em áreas de risco. “O que ocorre é que o valor venal desses imóveis, tal qual estipulado na Planta de Valores, costuma ser mais baixo. Nesses casos, ainda podem incidir descontos concedidos por lei e o valor da cobrança poderá, por exemplo, ser zerado”, afirma nota da prefeitura.

O especialista em direito tributário Felipe Renault ressalta que, em momentos de crise como o atual, a muitas das isenções são importantes para o desenvolvimento de alguns setores da economia:

– Se pegamos uma área abandonada, como era a Zona Portuária, é preciso que se dê algum tipo de benefício para estimular a revitalização. Nesses casos, os benefícios no IPTU são não só bem-vindos, como necessários.

Foi o estabelecido em 2009, para incentivar a ocupação do Porto Maravilha, com isenções para áreas em que fossem erguidas novas construções, desde que as obras estivessem prontas, com habite-se.

LEI REDUZIU VALOR DE IMÓVEIS

A origem do grande número de isenções no Rio está numa alteração nas regras de cobrança do tributo aprovada em 1999. Na época, o ex-prefeito Luiz Paulo Conde precisou mudar a lei porque a legislação então em vigor foi julgada inconstitucional. Na Câmara, os vereadores acabaram ampliando consideravelmente as isenções.

Imóveis residenciais, comerciais e terrenos considerados populares, principalmente nas zona Norte e Oeste, foram os maiores beneficiados pela aplicação de uma espécie de redutor aplicado no valor venal do imóvel. Como nessas áreas parte dos imóveis já tem baixo valor de mercado, muitos passaram a ser isentos. Desde então, houve novas alterações nas regras apenas para terrenos, no fim de 2015. Em 2012, o ex-prefeito Eduardo Paes tentou modificar a base de cálculo do imposto, mas acabou desistindo diante das pressões. Antes, em 2007, o ex-prefeito Cesar Maia já havia tentado limitar o alcance das isenções dos imóveis populares, mas também desistiu.

Fonte: Jornal O Globo – 05/01/2016