Shigeru Ban, o arquiteto japonês que levou o prêmio Pritzker este ano, está lá. Estrelas do naipe de Jean Nouvel e Frank Gehry também. Outras, como Norman Foster e Zaha Hadid, já começam a marcar presença. E o paulista Isay Weinfeld será o mais novo integrante daquele que vem sendo considerado o maior museu de arquitetura a céu aberto do mundo: o High Line – parque suspenso construído ao longo de uma antiga ferrovia no Chelsea, em Manhattan, entre a 10ª e a 11ª avenidas – virou uma passarela cercada por prédios de vanguarda assinados pelos criadores mais celebrados do planeta. E a recente inauguração da terceira fase da plataforma elevada, que agora se estende até a Rua 34, só criou mais espaço para a tendência.

– Não consigo pensar em outro lugar com tantos projetos impactantes de arquitetura lado a lado – diz Weinfeld. – É impressionante o que está pipocando à beira do High Line, onde todo arquiteto bacana tem ou gostaria de ter algum projeto. A gente passa e só vê construção, mais uma vez mudando a cara de um bairro da cidade. Fico muito honrado de poder estar lá.

O empreendimento projetado pelo brasileiro – contíguo ao edifício da iraquiana Zaha Hadid, já em construção – será composto de duas torres residenciais e ocupará toda a extensão norte-sul do quarteirão entre as ruas 27 e 28. Um túnel vai cortar o terreno, criando um jardim privado para os moradores dos 36 apartamentos, que terão entre um e quatro quartos. O nome do complexo, aliás, será Jardim. Contratado por empreendedores americanos, Weinfeld vem trabalhando em silêncio há um ano. O lançamento deve ser em fevereiro, quando o estande de vendas fica pronto.

Os imóveis projetados pelos chamados starchitects em volta do High Line custam, em média, 50% mais caro. O prédio de Shigeru Ban, por exemplo, tem um três quartos à venda por US$ 7 milhões, e outro similar no mercado de aluguéis por US$ 15 mil mensais. Um quarto e sala no edifício do francês Jean Nouvel está anunciado por US$ 2 milhões (o aluguel sai por US$ 8 mil). Já no prédio do inglês Norman Foster, ainda em obras, uma cobertura foi vendida por US$ 50 milhões.

– Existe cada vez mais valor na arquitetura criativa. Basta dizer que o pé quadrado no prédio do Shigeru Ban custava US$ 1.800 quando foi inaugurado, em 2011, e agora já passa de US$ 3 mil – compara a corretora Yana Milanova, da Town, líder no mercado imobiliário de luxo nova-iorquino. – A região está muito mais atraente.

Nem sempre foi assim. O oeste de Chelsea foi inicialmente ocupado por fábricas e armazéns, ainda nos anos 1930. Quando a indústria começou a migrar para os subúrbios, nas décadas de 1960 e 1970, os espaços foram tomados por empresas da indústria criativa. Vinte anos depois, chegaram as galerias de arte, egressas do SoHo. E o High Line, desenhado pela empresa de arquitetura Diller Sofidio + Renfro – responsável também pelo projeto do novo Museu da Imagem e do Som, na Praia de Copacabana -, mudou de vez o destino da região.

– Até recentemente, a 10ª Avenida era o mais a oeste que alguém moraria no bairro. Mas os novos empreendimentos são predominantemente residenciais. A área tem uma série de elementos favoráveis: fica perto da estrada que beira o Rio Hudson, ou seja, é fácil de chegar e sair; os prédios não são muito altos, então há muita luz natural. Virou um objeto de desejo – afirma Yana, lembrando que ainda há terrenos (hoje ocupados por estacionamentos) disponíveis por US$ 700 o pé quadrado, e que o Hudson Yards, megaempreendimento em construção no extremo norte do High Line, trará uma quantidade significativa de imóveis comerciais e residenciais à região, que ganhará uma estação de metrô na 11ª Avenida, na altura da Rua 34.

Muito além das fachadas surpreendentes, os prédios que transformaram o High Line numa vitrine da arquitetura contemporânea mundial trazem toda a sorte de amenidades que se imagina encontrar em empreendimentos do gênero – piscina, serviço de concierge, salas de ginástica, de massagem, de crianças. Mas outros luxos chamam a atenção: no 22 Eleventh Avenue, da alemã Annabelle Selldorf, os moradores contam com elevadores para carros, que são estacionados ao lado da porta de entrada de cada apartamento. E no 522 West 29th, um dos dois projetos concebidos pelo malaio radicado em Cingapura Soo Chan para o mesmo quarteirão e que devem ficar prontos em 2016, a maioria das 27 unidades terá piscina.

O primeiro edifício criado com o High Line em mente – e o único erguido em cima dele – foi o Standard Hotel, de Todd Schliemann, inaugurado poucos meses antes do próprio parque, em 2009 (ao seu lado, no limite sul da plataforma suspensa, está em fase final de construção o novo museu Whitney, desenhado pelo italiano Renzo Piano). Na Rua 19, um condomínio de duas torres que sobem com a assinatura do dinamarquês Thomas Juul-Hansen terá um lobby comum embaixo dos antigos trilhos. Já o prédio do americano Neil Denari, na Rua 23, vai ficando mais largo nos andares superiores, reclinando-se para cima do High Line.

– Todos os prédios têm uma relação direta ou indireta com o High Line – resume Weinfeld.

Curador de arquitetura do MoMA, o português Pedro Gadanho é um entusiasta do parque, que, para ele, alterou o modo de se ver a cidade enquanto se passeia pela plataforma elevada.

– Também foi criada uma outra alteração de percepção mais sutil: a de que as estruturas obsoletas da cidade podem ser reinventadas e tornadas de novo o centro das atenções, se o redesenho e a reutilização forem inteligentes e aproveitarem as especificidades da condição local. E isso foi o que transformou o High Line num modelo que todos querem repetir – acredita.

Mas Gadanho enxerga nas mudanças ocorridas no bairro uma faca de dois gumes:

– Por um lado, o sucesso da iniciativa é evidente, e valorizou a área para além de todas as expectativas. Por outro, a certo ponto o projeto parece uma vítima do seu sucesso, e é frequente ouvir os habitantes locais queixarem-se do excesso de turistas, e do fato de que já não podem usufruir de um espaço que supostamente era também deles. E ao mesmo tempo em que o High Line atraiu novos projetos, a transformação poderá ser radical no sentido da gentrificação.

 

Fonte: O Globo – 12/10/2014