Instalado em uma encosta do bairro de Benfica, na zona norte do Rio de Janeiro, o Conjunto Habitacional Prefeito Mendes de Moraes, conhecido como Pedregulho, é uma preciosidade arquitetônica que tem como uma de suas molduras um painel de Cândido Portinari (1903-1962). O projeto é do genial arquiteto Affonso Eduardo Reidy (1909-1954), criador do Parque do Flamengo, mais conhecido como Aterro, e do Museu de Arte Moderna (MAM), ambos no Rio. A obra do Pedregulho – codinome herdado do morro no qual está fincado – durou de 1947 a 1952, e passou décadas em processo de abandono e degeneração, que destruiu, por exemplo, todo o paisagismo elaborado por Burle Marx (1909-1994). Até que, em 2011, o governo do Estado iniciou uma reforma estrutural e de restauração, com custo total de R$ 43 milhões e que chegará ao fim nos próximos dias. Novinho em folha, o prédio em forma de onda, com aproximadamente 1.200 moradores em 272 apartamentos, que têm entre um e quatro quartos, recupera seu status de obra de arte.

As etapas de recuperação da edificação incluíram o remanejamento de 68 famílias que moram no primeiro andar, a fim de consertar toda a rede de esgoto. Para onde eles foram? “Para as casas dos vizinhos, que ofereceram acolhimento a essas famílias”, conta a assistente social Natália Rampini, da Concrejato, construtora responsável pela obra, apontando a amizade e solidariedade como mais um patrimônio do lugar. Com se trata de uma referência, o Pedregulho é sempre visitado por profissionais da área. “Por ano, são mais de dois mil arquitetos do Brasil e do exterior”, conta o síndico Hamilton Ildefonso, 57 anos. Parece exagero, mas o conjunto habitacional recebeu elogios de mestres como Le Corbusier, o grande nome do modernismo. “Estou admiradíssimo, nunca tive ocasião de realizar obra tão completa como vocês realizaram aqui”, disse, em 1962, o consagrado arquiteto franco-suíço. Para envolver os operários na recuperação do edifício, o arquiteto responsável pela restauração, Alfredo Britto, fez uma palestra para eles sobre a história do lugar. O prédio, sobre pilotis, tem forma sinuosa porque Reidy seguiu as curvas de nível do Morro do Pedregulho. O impacto estético foi imenso naquela época. Mas não é incomum encontrar moradores que desconhecem a autoria do projeto. É o caso da aposentada Conceição Corrêa, 68 anos. “Foi o Oscar Niemeyer que projetou”, disse ela, confundindo as curvas desenhadas por Reidy com as que consagraram Niemeyer.

A obra modernista, de certa maneira, também é fruto de uma história de amor. Reidy viveu uma paixão extraoficial com Carmen Portinho (1903-2001), que era chefe do arquiteto no Departamento de Habitação Popular (DHP), do então Distrito Federal. Ela foi a primeira urbanista do País e influenciou a construção do prédio com idéias adquiridas após uma viagem à Inglaterra para estudar as soluções habitacionais para pessoas de baixa renda no pós-guerra. Neuma de Moraes, 73 anos, confirma a opção pelas famílias mais pobres. “Eu morava com meu sogro e ele era funcionário do Distrito Federal e ganhava um salário muito baixo. Isso era um pré-requisito para morar no Pedregulho”, conta. Segundo ela, muitas daquelas famílias de funcionários já venderam seus apartamentos. Como os imóveis não possuem Registro Geral de Imóvel (RGI), os negócios são feitos na base dos chamados contratos de gaveta (apenas registrados em cartório). Mas esse problema também irá acabar: “A Companhia Estadual de Habitação do Rio já fez um cadastramento e vai dar RGI aos moradores. Nossos apartamentos passarão a valer bem mais”, diz o síndico Ildefonso, para quem o valor dos imóveis não passa de R$ 500 mil.

O conjunto tem outras pendências. Uma delas faz falta à moradora Cenilza Ávila. “No projeto consta uma lavanderia, mas ela, hoje, está em ruínas”, diz ela. Da mesma forma, o mercado e o posto de saúde, concebidos por Reidy, também estão destruídos. A recuperação dessas unidades faz parte da terceira fase da obra, segundo Britto. Já a escola, a piscina semiolímpica e o centro esportivo com o painel de Portinari – com desenhos de crianças brincando – estão recuperados. Na fachada do prédio principal, as esquadrias e as cerâmicas voltaram ao formato e à cor originais. Desgastados, os cobogós (espécie de cerâmicas vazadas para entrada de ventilação e luz) dos corredores foram substituídos. Já tombado pelo município e pelo Estado, o Pedregulho, após as obras, será avaliado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), que condicionou o tombamento à restauração, para receber o tombamento federal.

 

Fonte: IstoÉ – 03/12/2014