Qual a importância da vizinhança na hora de escolher um imóvel? Embora o conceito de qualidade esteja longe da unanimidade, alguns aspectos contam a favor. No Rio, não somente a infraestrutura de cada bairro é levada em consideração, mas também o nível de violência, a distância em relação ao Centro (onde grande parte trabalha), a proximidade da praia, pontos turísticos, áreas verdes e demais locais de lazer e cultura.

Não à toa, as construtoras investem, cada vez mais, em estratégias que destaquem os benefícios do entorno de seus empreendimentos, principalmente quando eles estão fora dos bairros já conhecidos e consagrados.

No Rio, a maior parte destas ações está focada na região da Barra da Tijuca, Recreio e Jacarepaguá, cujos atrativos ainda são pouco conhecidos para os compradores, afirma Andrea Saad, gerente de marketing da Even:

– Grande parte dos compradores que estão indo morar nestes locais são pessoas que buscam qualidade de vida, mas com custos mais acessíveis do que na Zona Sul, por exemplo.

A empresa lançou um guia com os “101 lugares para se conhecer na Barra e no Recreio”, que está sendo distribuído em estandes de venda, mostrando as opções em termos de lazer, gastronomia e serviços ao redor.

– Como a obra também é vendida na Livraria Argumento, acaba funcionando como um guia para quem já mora no local e não conhece muito bem ou está à procura de descobertas por lá.

ESCOLHA POR BAIRRO AINDA É PESSOAL

Ainda assim, nem sempre as estratégias de marketing funcionam, já que o próprio conceito de boa vizinhança não é unanimidade. A aposentada Isolina Vital, por exemplo, não gostava da “tranquilidade” de Laranjeiras, por onde morou durante anos. Então, quando decidiu comprar um apartamento, escolheu a Tijuca, por causa do comércio:

– Uma boa vizinhança é onde eu tenha a liberdade de caminhar pelas ruas, ir na padaria, na praça, encontrar pessoas, que tenha movimentação. Na minha idade, ficar em um bairro tranquilo demais também não é uma opção. Já gostei muito, mas hoje tenho outras necessidades – afirma.

Assim como aconteceu com a aposentada, o conceito daquilo que é uma boa vizinhança pode mudar com o tempo. Para Ana Passos, o nascimento da filha foi fator determinante. Se antes prezava o “isolamento e o verde” do Grajaú, agora prefere a movimentação de Copacabana, para onde se mudou no último ano. As opções de escola, as praças do bairro e a proximidade com os pais – que moram no local – contribuíram para a decisão, conta ela:

– Precisava de um local mais movimentado e com uma rede de apoios. O ideal teve que ficar para depois.

Já a economista Ana Machado fez o caminho oposto. Na busca por tranquilidade e silêncio, ela saiu da Tijuca para uma casa em uma rua “escondida e calma” no Jardim Botânico:

– Como eu trabalho de casa, para mim ficar isolada é bom, pois tenho tranquilidade e não preciso enfrentar engarrafamentos todos os dias. Na minha opinião, a boa vizinhança é aquela que tem infraestrutura, mas é tranquila, não tem muvuca, nem comércio.

De fato, a tranquilidade – em uma cidade com altos níveis de violência – é considerada um dos benefícios mais importantes pelo carioca que vai escolher um novo bairro para morar. Tanto é que os condomínios fechados, que oferecem infraestrutura interna, se tornaram uma opção para muitos, principalmente na Zona Oeste.

Uma destas áreas é a Ilha Pura, na região da Barra, que já está em construção. Segundo Maurício Cruz, diretorgeral do empreendimento, a ideia é oferecer toda a comodidade de um bairro, com edifícios comerciais, lojas, shoppings e até escolas e creches. Tudo isso dentro do condomínio e onde se possa fazer tudo a pé:

– Existe uma máxima no mercado imobiliário de que os três principais fatores na hora de se escolher um imóvel são: localização, localização e localização. Além de oferecer esta estrutura, cujo objetivo é criar um conceito de um bairro, também realizamos ações mostrando os benefícios da região da Barra da Tijuca como um todo, destacando as opções de serviços locais.

INVESTIMENTO EM REVITALIZAÇÃO

Já a Construtora Concal fez uma abordagem diferente em São Cristóvão, na Zona Norte, onde constrói um empreendimento comercial. Ao invés de campanhas que mostrassem o que já existe no bairro, a empresa apostou na própria revitalização da área.

Através de uma comissão de revitalização, a companhia contribuiu para a melhoria da iluminação ao redor da Quinta da Boa Vista, e investiu R$ 500 mil na revitalização do Pagode Chinês, monumento dentro do parque. Além disso, a Concal criou também um “Guia dos museus” da área. Osociólogo Ricardo Ferreira Freitas, professor da Escola de Comunicação da Universidade Estadual do Rio de Janeiro ( Uerj), lembra que os condomínios fechados, que oferecem a infraestrutura de um bairro, dentro de seus espaços internos, têm se expandido para outras regiões, como o Méier e Penha.

Apesar de ser uma tendência em diversas cidades, Freitas acredita que, no Rio, a busca por espaços públicos tem crescido e, no futuro, um conflito entre os que desejam vivenciar a cidade e os que optarem pelo que chama de “cidades assépticas” pode aumentar.

– Na década de 90, este tipo de residência, muito por conta da ascensão da violência na cidade, se tornou um sonho de consumo para muitos. Mas, hoje, a gente já vê um movimento de reconquista do espaço público no Rio, dos locais de compartilhamento, em que todos possam usufruir.

Foi exatamente a busca por um local onde sua filha “pudesse brincar na rua” que atraiu a socióloga Gabriela Santos para Lins de Vasconcelos, no subúrbio. Para ela, a definição de boa vizinhança passa pela relação com os outros moradores dos bairros.

– Sou do interior e sempre busquei algo parecido aqui no Rio, de ter aquele vizinho que desse para pedir açúcar, ou uma rua em que minha filha tivesse amigos da casa ao lado.

Mas, com “o crescimento absurdo da violência” no bairro, ela resolveu se mudar para a Usina onde se sente mais segura. E perto da família.

– Não é a mesma coisa. Nunca quis mudar. Às vezes, a gente tem uma ideia de boa vizinhança, mas não consegue encontrar um local que esteja em nossas expectativas. Faz parte. Para mim, a boa vizinhança é aquela onde a gente se sente feliz e bem acolhido. O resto é perfumaria.

Já para o economista Caio Torres, a melhor vizinhança, em uma metrópole como o Rio, é aquela que consegue aliar uma oferta “razoável” de serviços com uma distância curta até o trabalho, para evitar engarrafamentos.

Como trabalha no Centro, o carioca resolveu sair da Tijuca para a Glória e encurtou a viagem diária em meia hora:

– Acho que a boa vizinhança é aquela em que você consegue adaptar melhor o seu estilo de vida com o bairro, que tenha opções que combinem com a sua identidade.

 

 

Fonte: O Globo – 18/01/2015