Apesar do aperto monetário implantado pelo governo federal, existe um setor do crédito que continua a crescer mesmo com os juros mais elevados. É o chamado crédito direcionado (financiamento imobiliário, crédito rural e empréstimos do BNDES), cuja carteira avança em ritmo chinês. Nos últimos 12 meses, o aumento dessa linha chegou a 23,7% e atingiu R$ 1,256 trilhão, segundo dados do Banco Central (BC).

1,5% foi o recuo no saldo da carteira de financiamento veicular no último ano, passando para R$ 189,9 bilhões, segundo o Banco Central. A venda de veículos é um dos setores que ajudou a puxar a desaceleração do crédito no país.

Juros mais elevados atingem em cheio o financiamento ao consumo.

A carteira de crédito livre para pessoas físicas praticamente não cresceu no primeiro trimestre do ano, com avanço de apenas 0,7% sobre os últimos meses do ano passado. No período, esse saldo foi de R$ 750 bilhões.

No acumulado dos últimos 12 meses, o saldo está positivo em 7,1%, mas o ritmo é bem menor do que o verificado nos últimos anos, quando chegou a avançar entre 18% e 20%. “Esse aumento é nominal. Se descontarmos a inflação no período, vemos que esse tipo de crédito livre para pessoa física parou de crescer no último ano”, diz Luiz Rabi, economista da Serasa Experian.

A acomodação do crédito livre já era esperada porque é mais sensível ao ritmo da taxa de juros. As sucessivas elevações do custo do crediário, o menor grau de confiança dos consumidores e a aceleração da inflação vêm impactando a disposição dos consumidores em ampliar o endividamento

Fábio Tadeu Araújo, professor da PUCPR, acredita que o principal fator para inibir o crédito é a combinação da conjuntura econômica, de baixo crescimento com inflação alta. “Quando olhamos a performance do crédito quando os juros estavam mais baixos, vemos que o crescimento já estava menor. Nesse caso, a conjuntura tem peso maior do que as taxas praticadas”, diz.

Para ele, o crédito não vai avançar nas mesmas proporções dos últimos anos. “Crescer 20% ao ano é fácil quando o crédito representa 20% do PIB. Crescer nesse nível com 55% do PIB é bem mais complicado”.

OPINIÃO

Guido Orgis, editor executivo de Economia

O Brasil foi longe demais no crédito direcionado. É evidente que nenhuma economia normal funciona com o Estado dizendo onde deve ser investida metade dos recursos disponíveis. O mercado financeiro é uma invenção que está na base do funcionamento das economias de mercado. Permite que as pessoas com contas a pagar no futuro economizem e sejam remuneradas por quem tem uma necessidade no presente. Esse sistema funciona melhor quando todos concorrem ao mesmo tempo por esse dinheiro – na média, todos pagam menos, com risco menor.

Como o mercado não é totalmente eficiente – ele pode deixar de fora áreas importantes, como empresas altamente inovadoras, mas sem garantias físicas, por exemplo -, é natural que haja políticas de direcionamento de recursos. Todos os países fazem isso de alguma forma. O problema no Brasil é a dimensão.

Temos hoje o maior banco de fomento do mundo, o BNDES, que empresta a taxas abaixo do pago na captação feita pelo Tesouro Nacional. Chegamos ao absurdo de ouvir o setor agrícola reclamando de uma taxa de 6,5% ao ano, que mal cobre a inflação. Pagamos três vezes por essa política: com os impostos que subsidiam essas taxas, com os juros mais altos cobrados pela outra metade que sobra e com a inflação incômoda.

Enquanto isso, a carteira de crédito livre (cheque especial, cartão de crédito, financiamento veicular e empréstimo consignado) sofre os efeitos da alta da Selic e vê diminuir o ritmo de crescimento. O saldo anual – incluindo pessoa física e jurídica – avançou apenas 6,5%, para R$ 1,5 trilhão. Os juros do crédito direcionado são pouco sensíveis à alta de juros básicos pelo BC, porque em geral são subsidiados pelo governo.

Entre março de 2013 e 2014, eles subiram apenas 0,7 ponto porcentual. Graças ao direcionado, a carteira total de empréstimos bancários no país acumula crescimento de 13,7% em 12 meses, para R$ 2,759 trilhões, segundo o BC. A participação do crédito sobre o PIB passou de 54,1% para 55,9% em um ano. “O que vemos é que o crédito direcionado deve ultrapassar o livre nos próximos anos”, diz Fábio Tadeu Araújo, professor de Economia da PUCPR.

Apesar de ser uma linha que depende de políticas de incentivo, o empréstimo subsidiado tem papel importante em desenvolver setores que não teriam condições de crescer sem taxas de juros baixas. “É o caso do setor de infraestrutura e o imobiliário e também o rural, que tem um papel importante na economia”, explica Araújo.

VITAMINA

O crédito direcionado começou a crescer de maneira mais vigorosa após a crise de 2009, quando o governo passou a usar, principalmente, bancos públicos para vitaminar a economia. Hoje, essa linha de financiamento é dominada pelos três bancos públicos federais. O crédito para investimentos das empresas é realizado, em grande parte, por meio de operações diretas e repasses do BNDES. Já os financiamentos habitacionais são, em sua maioria, concedidos pela Caixa Econômica Federal, enquanto o crédito rural tem no Banco do Brasil o seu principal agente financiador.

 

DEBATE

Vantagens e desvantagens da modalidade dirigida dividem economistas.

O crescimento do crédito direcionado no país é fonte de debate acadêmico há anos. Para economistas mais liberais, como o ex-presidente do Banco Central (BC) e do BNDES Persio Arida, a aposta no crédito direcionado por parte do governo tem um lado perverso do ponto de vista macroeconômico, já que, como é resistente à alta taxa de juros, ele faz com que os ajustes monetários feitos pelo BC para conter a inflação tenham que ser mais fortes. Na opinião de Arida, o país deveria eliminar o crédito direcionado, o que seria um caminho para a queda das taxas de juros.

Já uma corrente contrária, que tem entre seus defensores o economista Luiz Gonzaga Belluzo, ex-secretário de política econômica do Ministério da Fazenda, acredita que o crédito direcionado é importante para manter o equilíbrio de mercado, dar acesso a financiamento a setores estratégicos e também aos que não teriam acesso ao recurso livre.

Além disso, segundo ele, o direcionado tem a função de forçar a redução dos lucros dos bancos privados em um mercado bastante concentrado. Para ele, a eliminação do crédito direcionado não apenas não faria cair os juros, como iria aumentá-lo, já que o mercado bancário ainda é oligopolizado.

EFEITO CASCATA

Bancos repassam juros ainda mais altos ao consumidor final.

Desde março de 2013, o Banco Central implantou um novo ciclo de alta de juros para conter a inflação. Com isso, a taxa básica (Selic) passou de 7,25% ao ano para 11% ao ano. Os juros futuros subiram e os custos de captação ficaram mais altos para os bancos, que repassaram as novas taxas para o consumidor.

Os bancos, em geral, subiram suas taxas acima da própria taxa básica, segundo uma pesquisa da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac).Segundo dados da Serasa Experian, a disposição do consumidor de contratar novos empréstimos vem diminuindo. No acumulado dos primeiros quatro meses deste ano, a demanda por crédito mostrou queda de 5,3% diante do mesmo período de 2013. “E esse movimento não deve melhorar nos próximos meses, com a perspectiva de novas rodadas de aumento da Selic após as eleições”, afirma Luiz Rabi, economista da entidade.

 

Fonte: A Gazeta do Povo – 21/05/2014