Quem circulou nos últimos 15 dias pela Avenida Rio de Janeiro, no limite entre a Zona Portuária e o Centro, certamente deve ter percebido por lá, perto do prédio do Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia (Into), um enorme muro azul e branco destacando-se na paisagem cinzenta. Pintado no mês passado, o painel de 800 metros quadrados é uma das primeiras intervenções artísticas naquele pedaço do Porto feitas pelo projeto Gentileza Urbana, que pretende usar grafites e desenhos para recuperar as áreas que ainda se encontram deterioradas, com pichações ou encardidas pelos anos e anos de exposição à poluição de ônibus e automóveis. A iniciativa, encampada pelo produtor e jornalista André Bretas, à frente do Instituto Rua, é uma das muitas que estão surgindo ali. A reboque das obras de infraestrutura que começaram a mudar o cenário da Zona Portuária, muros, pilastras, muretas e fachadas de prédios vêm sofrendo o efeito benéfico da revitalização da região. Uma onda de renovação que também pode ser sentida em alguns armazéns da região, que já ganharam um novo uso e passaram por reformas internas.

– Ficamos 12 dias pintando o painel e todo mundo que passava elogiava e agradecia. Sem dúvida, ele está contrastando com o que está em volta. Os muros do entorno estão praticamente pedindo para ser transformados também – brinca Bretas, que tocou o projeto no muro de um dos novos prédios da área, o Port Corporate Tower.

Um outro painel, pintado na calçada oposta, compõe a obra de arte de rua, assinada pelo artista Gais Ama, formando um corredor colorido, em nove tons de azul.

– A ideia do projeto é revitalizar toda aquela área entre Avenida Brasil e entorno da rodoviária com painéis de grafites e pinturas dos mais diversos autores. Escolhemos começar por ali porque percebemos que é uma região muito degradada que ainda não viu os resultados das obras do Porto, que começaram pelo outro lado da Zona Portuária. Nossa ideia é terminar tudo até setembro. Entre a rodoviária e o ponto de ônibus em frente ao qual pintamos o primeiro mural, há 10 pilastras – completa o produtor, acrescentando que vai convidar um casal de artistas do Ceará para fazer a próxima pintura.

Batizado em homenagem ao profeta Gentileza – que usou várias das muretas e pilastras dos elevados que existem no local como suporte para suas inscrições com letras desenhadas – o projeto, lançado no fim de 2014, prevê que murais semelhantes se espalhem pela região. O próximo local a ser pintado, conta Bretas, é o enorme muro que protege o terreno da Companhia Docas, colorindo o percurso até as cercanias do Cemitério do Caju.

– Usamos o nome do Gentileza porque foi ele quem começou este movimento, ele foi o primeiro artista urbano da região – explica Bretas.

UM NOVO ARMAZÉM PARA GRUPO DE TEATRO

A aposta na transformação dos usos daquele pedaço do bairro também dá a tônica na ocupação do Armazém 6, que virou Armazém da Utopia e desde 2010 é o endereço da Companhia Ensaio Aberto. No espaço, o grupo de teatro vai instalar um arrojado projeto, assinado pelo arquiteto José Carlos Serroni, especialista em cenografia. O local, perto do Moinho Fluminense, já ganhou sala de ensaio com piso de linóleo, refeitório, teatro, depósito de cenografia, sala de acervo de figurino, espaço de descanso e sala de leitura.

– É um projeto inspirado em estruturas de armazéns que vi em Nova York e em cidades na Nova Zelândia e na Alemanha. Já o modelo de gestão do espaço é inspirado no Théâtre du Soleil, da França. Ali são dois armazéns, um de 3.300 metros quadrados, do século XIX, e um anexo, da década de 40 do século XX. Por enquanto, a companhia está ocupando o anexo, que tem cerca de 1.600 metros quadrados. Mas temos um projeto que integrará os dois – diz Serroni.

 

Fonte: O Globo – 19/04/2015