Sociólogo consagrado, consultor da Unesco, o que Richard Sennet queria, mesmo, era ser arquiteto. A vida o carregou para a sociologia, a história, a antropologia e a política – e hoje, aos 82 anos, ele reúne sua vasta experiência para discutir uma convivência melhor entre os homens e… a arquitetura.

Sua grande batalha – ele mesmo a define – é “reconstruir as relações entre o fazer a cidade e as habilidades que as pessoas precisam ter para viver bem nelas”. De passagem por São Paulo e Porto Alegre, para palestras do projeto Fronteiras do Pensamento, Sennet explicou à coluna, na semana passada, que luta é essa e em que pé ela está. “Cada vez mais pessoas vivem sozinhas, indiferentes umas às outras, separadas por uma arquitetura, por um modo de viver, que é ditado por forças estranhas a elas. Reinventar a forma de construir as cidades é tarefa urgente.”

Ele admite: é difícil. Mas garante: “Não precisa ser assim. Pode ser mudado.” Autor do clássico O Declínio do Homem Público, o sociólogo está completando agora uma trilogia sobre a difícil relação entre pessoas, ruas, prédios, paredes.

Do que o sr. trata nessa série de três livros sobre vida urbana?

O que eu procuro é uma relação melhor, um outro ambiente urbano. No primeiro livro, O Artífice, falo da experiência mais física, o trabalho manual impactando as relações. No segundo, Juntos, o tema é a falta da habilidade das pessoas para lidar com as diferenças mútuas. Eu tento discutir formas de cooperação, como criá-las em ambiente adverso.

O terceiro e último livro ainda não saiu. Do que vai tratar?

É sobre a arte de fazer as cidades. Digo, fazê-las para as pessoas. Isso é, sim, uma arte, e as pessoas precisam desenvolver habilidades específicas para tal. É fácil perceber que seres humanos são muito diferentes uns dos outros, que convivem em condições que se transformam sem parar. Tornou-se normal a sensação de estranheza. É pior que o tribalismo. É indiferença pelo que é diferente. Repito: não precisa ser assim.

Como imagina reaproximar pessoas que vivem normalmente fechadas em seu mundo ou em pequenos grupos?

Na Europa hoje temos uns 30% de moradores das cidades vivendo sozinhas. Gente solteira, sem família, uma população envelhecendo, baixa taxa de natalidade. No Brasil esse índice anda pelos 16%, 18%, por aí. Isso torna ainda mais urgente o desafio. Sou muito interessado em entender que tipo de ambiente criamos, como torná-lo melhor. E não acho que os arquitetos tenham ajudado nisso. Eles criam edifícios isolados, muitas paredes… Os critérios e soluções passam longe dos seres humanos. Tempos atrás, fui visitar Brasília. É bonito, mas fiquei horrorizado. As pessoas não se relacionam!

Mas há tantos outros fatores, a começar pelas redes sociais, influindo também nesse modo de vida. Como enfrentá-los?

De fato, mas é outro problema. A meu ver o modo como as pessoas se conectaram à internet foi influenciado por um estilo individualista de cultura que já existia antes. E o modo de usar a tecnologia também não precisa ser esse que temos.

E a política e os partidos que, pelo mundo afora, não representam o interesse dos cidadãos, têm lugar nesse seu projeto?

Aí há um problema grave. É que a classe política, praticamente toda, é corrupta demais. O desinteresse das pessoas por partidos não é culpa delas, mas deles. Não sei como eles poderiam ajudar a avançar nessa questão.

A vida difícil nas cidades é parte da vida difícil no planeta – as guerras, as migrações, conflitos culturais e religiosos. Como isso entra no seu trabalho?

Ter “um lugar” para viver é mais importante do que ter um “bom lugar” para viver. No entanto, pode ser um preconceito meu, mas as ditas soluções globais geralmente falham. Um dia, acredito, essas grandes crises passam, e aí, quem sabe, pessoas como eu possam ser mais úteis.

 

Fonte: O Estado de São Paulo – 01/09/2015