Poucos bairros têm o privilégio de serem ou terem um cartão-postal. E se o Cristo Redentor, no Cosme Velho, e o Pão de Açúcar, na Urca, estão entre as principais referências do Rio de Janeiro no exterior, não há carioca que não saiba onde fica a Igreja da Penha. Muitos podem nunca tê-la visitado, mas já a viram de algum ponto da cidade (além das redondezas, a igreja pode ser vista da Avenida Brasil, da Linha Vermelha, da Ponte Rio-Niterói e por quem chega à cidade pelo Aeroporto Internacional Tom Jobim). O santuário é também o principal ícone da Penha, que completa 95 anos nesta terça.

– O bairro cresceu à sombra do santuário. Quando cheguei aqui, há 17 anos e meio, o ambiente não era tranquilo. Mas apesar de todos os problemas, sempre respeitaram o santuário e os visitantes. Nunca deixei de realizar uma missa – lembra padre Serafim Fernandes, referindo-se à violência do tráfico que durante muitos anos assustou moradores e prejudicou a imagem do bairro.

A igreja atual é de 1900, mas a história de devoção no Morro da Penha começou no século XVII, com a construção da primeira capela. Os 382 degraus foram construídos em 1819.

O Santuário Mariano de Nossa Senhora da Penha de França, mais conhecido como Igreja da Penha, faz parte do roteiro turístico oficial da cidade. Para moradores do bairro, a construção é motivo de orgulho, mas eles também não escondem uma certa frustração de ver o patrimônio histórico pouco valorizado em relação aos demais cartões-postais do Rio.

Eloise Hegdorne Migon, de 32 anos, chegou a se mudar do bairro por conta da violência, mas voltou a morar na Penha e diz ser um privilégio poder ver, de sua casa, a Igreja. Ela, no entanto, acha que o poder público deveria incentivar mais o turismo no local.

– Vejo, da minha casa, a igreja toda iluminada à noite. É maravilhoso. É como quem mora com vista para o Cristo Redentor. Mas acho que o local deveria ter mais investimento público para atrair turistas. As pessoas precisam conhecer, mas se sentirem seguras para isso – avalia Eloise, para quem a Penha tem hoje muitos motivos para comemorar. – O bairro está vivendo um momento muito bom. Existe agora os transtornos com as obras do BRT, mas acho que, ficando tudo pronto, será bom para todos.

Os 95 anos da Penha também são motivo de orgulho para Maria de Lourdes Rodrigues de Almeida, 76. A história pessoal dela está toda relacionada ao bairro e ao santuário.

– Sou nascida e criada na Penha. Passei por todos os momentos brabos, que deixaram os moradores com medo, mas nunca pensei em me mudar. Gosto muito do bairro e da Igreja. Fui batizada e estudei no santuário – diz dona Lurdinha, como é mais conhecida na igreja, onde atua como voluntária.

As missas não atraem apenas moradores locais. E isso é uma prova de como a Penha recebe visitantes por conta da igreja. Terezinha Espíndola Garcia, 61, mora em Duque de Caxias, mas assiste à missa todo domingo no santuário. O filho dela, Alan Garcia de Souza, 34, e a nora, Daniela Santana Siqueira de Souza, 27, trocaram alianças na Igreja da da Penha, em 2007.

– Marcamos o casamento um ano antes. É muito concorrido – conta Daniela.

Outra frequentadora fiel é Rosangela Marçal do Carmo, 54, moradora da Piedade.

– Tenho uma irmã que nasceu e mora nos Estados Unidos, e sempre que vem ao Rio vai ao Cristo Redentor, ao Pão de Açúcar e à Igreja da Penha. São três lugares que ela nunca deixa de visitar – diz Rosangela.

A importância da Igreja da Penha para o bairro vai além do aspecto religioso. Apesar de atrair muitos peregrinos, o templo é também procurado por pesquisadores interessados em conhecer um pouco mais da história da região. Há inclusive um museu no santuário, que guarda vários objetos, alguns do século XVIII, que retratam o passado. Os primeiros sinos da então capela, por exemplo, datam da época do império.

O local também é famoso pela tradicional festa da Penha, realizada durante todo o mês de outubro. Compositores como Pixinguinha e Donga, entre outros bambas, lançavam suas composições na festa, que servia como um termômetro popular: músicas bem recebidas ali faziam sucesso no carnaval.

Fonte: Jornal O Globo – 23/07/2014