Os distratos sempre causaram muita dor de cabeça tanto as construtoras e incorporadoras de imóveis, quanto aos compradores. Devido ao fato de não haver uma legislação específica para tratar desse problema, cada caso sempre foi tratado de uma maneira diferente se valendo de jurisprudências e de interpretações de juízes. Mesmo sendo previsto em contrato, não existia uma orientação legal que definisse as condições gerais da desistência. Ou seja, questões como valor a ser devolvido, multas, retenção, devolução do imóvel, entre outras, eram decididas caso a caso. Isso gerava muitos conflitos e muita insegurança. Graças a isso o mercado imobiliário passou a demandar uma legislação que pudesse dar base para padronizar tais decisões.

Finalmente, depois de um longo período com o processo parado e anos de tramitação, em dezembro de 2018 foi sancionada a nova lei para cuidar dos distratos imobiliários. Trata-se da Lei 13.786/18 que traz orientações gerais para o distrato, padronizando porcentagens e ditando outras normas para os contratos, buscando gerar maior segurança para construtora e também para o comprador. A insegurança que era proporcionada pela falta de uma legislação acabava gerando aumento dos custos e também impedia realização de novos empreendimentos imobiliários. Espera-se que a nova lei contribua para o crescimento do mercado imobiliário para os próximos anos.

Para José-Ricardo Pereira Lira, presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-RJ, o ponto mais importante da nova lei é a concepção de mecanismos que vão estimular o combate ao deficit habitacional e que, consequentemente, trarão segurança jurídica para a incorporação imobiliária, atividade vital para o desenvolvimento econômico e social do país.

Das mudanças trazidas pela lei, destaca-se o percentual máximo de retenção da incorporadora para casos em que o comprador desista da compra de um imóvel. Esse é de longe o maior causador de tantas discussões entre profissionais da área jurídica.

Segundo alguns advogados, a nova lei entra em conflito com a legislação já existente. O Código Civil e o Código de Defesa do Consumidor protegem o consumidor de punições exageradas. Como exemplo o artigo 51 inciso II do CDC que invalida qualquer cláusula que tire do consumidor o direito de reembolso por valor já pago.

– Ao fixar diretrizes claras para quem quer comprar e vender imóveis, todos saem ganhando. O país viveu, até recentemente, perigosa instabilidade jurídica no campo das incorporações imobiliárias. Todos saíram perdendo quando decisões judiciais se mostraram protecionistas, não raro, contrárias à letra da lei. Como era de se esperar, o resultado desse movimento foi a paralisação das incorporações, com os graves danos daí decorrentes para a sociedade como um todo.” relata José-Ricardo.

Apesar de recente espera-se que o mercado imobiliário receba bem a nova lei, principalmente as empresas de construção civil e incorporadoras, afinal sempre foi alegado prejuízos altos quando havia desistência de um imóvel. Com as devidas alterações, a desistência do adquirente tem chances menores de comprometer a construção e prejudicar os demais compradores.

A respeito da multa a ser retida pela incorporadora no caso em que o adquirente resolva desistir da compra, o valor agora fica definido em até 25% da quantia paga, a não ser que o imóvel seja incluso em regime de afetação, pois sendo assim esse valor pode chegar a 50%. Anteriormente, conforme jurisprudência, essa multa era cobrada com porcentagem de 10% a 20% do valor total pago. O prazo para que o valor seja devolvido é de 180 dias para unidades que não estejam submetidas ao patrimônio de afetação, e de até 30 dias após habite-se ou documento equivalente nas unidades com regime de afetação. Existe a possibilidade de que o comprador não sofra a cobrança da penalidade contratual, caso ele consiga repassar aquele imóvel indicando a outro comprador no ato da desistência, porém depende da aprovação da incorporadora.

O patrimônio de afetação, para aqueles que querem se aprofundar no termo, nada mais é do que a separação do imóvel aos bens materiais da incorporadora, com intuito de assegurar a continuidade e a entrega dos imóveis aos futuros adquirentes mesmo em situações de falência ou insolvência da incorporadora.

A lei também permite uma espécie de direito de arrependimento, que seria uma desistência com até no máximo 7 dias da compra, sendo essa feita fora da sede da incorporadora ou em estandes de venda. Esse é um prazo de reflexão que a lei garante para que seja revertida qualquer decisão que tenha sido feita de forma precipitada, e depende apenas da vontade imotivada do comprador, com a devolução de todos os valores eventualmentes antecipados. No prazo indicado deverá demonstrar o exercício do direito de arrependimento.

No caso do contrato ser desfeito após as chaves serem entregues ao adquirente, o paragrafo 2º do artigo 67-A estabelece que “Em função do período em que teve disponibilizada a unidade imobiliária, responde ainda o adquirente, em caso de resolução ou de distrato pelos seguintes valores”:

I – quantias correspondentes aos impostos reais incidentes sobre o imóvel;

II – cotas de condomínio e contribuições devidas a associações de moradores;

III – valor correspondente à fruição do imóvel, equivalente à 0,5% (cinco décimos por cento) sobre o valor atualizado do contrato,

IV – demais encargos incidentes sobre o imóvel e despesas previstas no contrato.

Já nos casos de loteamento esse valor em função da fruição do imóvel sobe para 0,75% sobre o valor atualizado do contrato, cujo prazo será contado a partir da data da transmissão da posse do imóvel ao adquirente até sua restituição ao loteador;

A nova lei também fala sobre o atraso na entrega das obras. A incorporadora tem uma carência de 180 dias para entrega. Após esse prazo, o adquirente poderá pedir a resolução do contrato e receber o valor que já havia sido pago com as devidas correções. Porém, se o imóvel for entregue após os 180 dias, deverá ser pago ao comprador no momento da entrega 1% do valor total pago para cada mês de atraso, com as devidas correções. Somente aquele que estiver adimplente poderá ser beneficiado com essa multa moratória.

A publicação jamais poderá atingir contratos anteriores a ela, e nem mesmo, efeitos futuros desse mesmo contrato. Apenas contratos celebrados após a entrada em vigor poderão ser alcançadas por suas mudanças. Segundo José-Ricardo a nova lei gera esperança de resgate da segurança jurídica nesse mercado:

“Daí, promove a expectativa de retomada da construção civil e do incremento da oferta de unidades residenciais à família brasileira. Com otimismo,a nova lei pode originar um ciclo virtuoso de contribuição para a criação de empregos, majoração da arrecadação tributária e mitigação de nosso drama social maior, qual seja: a inépcia do país em lidar com a promessa constitucional de garantir a todos os cidadãos o direito à moradia digna.”