Em março de 2013, sete sobrados da Rua Buenos Aires viraram cinzas. Um incêndio de grandes proporções lambeu quase um quarteirão inteiro, deixando no coração da Saara um grande vazio. Dos casarões, seis eram preservados pelo município e datavam da virada do século XIX para o XX. Paredes, janelas, sacadas e telhados de época foram consumidos pelo fogo. As cenas, desoladoras, mostravam um patrimônio perdido para sempre. “Das fachadas, não sobrou nem um alfinete”, lembra Marco Antônio de Castro, dono da Caçula, loja de aviamentos, tecidos e artesanato proprietária dos imóveis e que, há um mês, voltou a atender a clientela no mesmo ponto.

E nos mesmos sobrados. O processo para trazer o passado de volta foi longo, e envolveu uma cuidadosa reconstrução das fachadas, acompanhada pelo Instituto Rio Patrimônio da Humanidade (IRPH), da prefeitura. Como das chamas não sobrou qualquer pista que ajudasse a recuperar o conjunto, tudo precisou ser reconstituído por meio de materiais contemporâneos, mas de forma que o resultado fosse igual ao visto no começo do século XX. Deu certo: os seis casarões preservados (o complexo ainda conta um outro, de arquitetura mais recente, também recuperado) estão, de fato, cheirando a novo. Embora o estilo seja o mesmo do Rio de antigamente.

– Refiz tudo como era no passado. Não tirei uma vírgula. Até os desenhos nos vidros das janelas são iguais – diz Marco Antônio, o caçula (daí o nome da loja) de sete filhos de Murilo de Castro, com quem abriu, há 40 anos, a primeira loja, então de botões.

O dinheiro gasto em toda a obra, afirma o empresário, ultrapassa os R$ 20 milhões. No caso de quem vai às compras na Saara, é difícil não reparar no conjunto: cada prédio foi pintado com as cores originais (de acordo com documentação do IRPH), formando um corredor colorido na Buenos Aires. Os detalhes que mais se destacavam, como a sacada apoiada numa concha, estão lá presentes de novo. Marco Antônio diz que as janelas e portas foram refeitas por artistas de Minas Gerais. A Caçula funciona no endereço há 27 anos.

– Estou tão orgulhoso… Agora os sobrados estão decorados com motivos natalinos, e está tudo muito, muito lindo – afirma o comerciante, que, após o incêndio, ficou trancado uma semana no quarto, em choque. – Procuro esquecer (do incêndio). Foi muito triste e doloroso. Só quero falar sobre o daqui para frente. EXEMPLO DE SUPERAÇÃO Laura Di Blasi é coordenadora de projetos e fiscalização do IPRH e conta que, na fachada, antes de tijolos maciços, foram usadas estruturas metálicas e aplicada argamassa. As madeiras que sustentavam o telhado também deram lugar aos metais, mas as telhas continuam sendo de cerâmica.

– O que a gente quer ali é a manutenção e preservação da ambiência. Um sobradinho sozinho não diz muita coisa. Mas eles juntos dão o espírito e o astral do lugar – explica Laura, acrescentando que o esforço era para se recuperar a composição da fachada e da cobertura, já que os imóveis estão inseridos numa área de proteção do ambiente cultural, onde o incêndio abriu uma lacuna.

Como os sobrados não são tombados (são apenas preservados por integrarem o Corredor Cultural), há maior liberdade para intervenções internas. Os seis casarões possuem datas que vão de 1892 a 1912. Para o presidente do IRPH, Washington Fajardo, a reconstrução das fachadas do conjunto é um exemplo de superação:

– Era uma obrigação legal a recomposição. O desafio era a qualidade – lembra ele, avaliando positivamente o resultado. – Hoje você não percebe diferença nas fachadas mesmo sendo novas.

 

Fonte: O Globo – 11/11/2015