No ranking mundial do Green Building Council (GBC), entidade que concede a certificação Leed, o mais conhecido selo de sustentabilidade, o Brasil está em terceiro lugar com 855 prédios registrados e outros 165 já certificados. O franco-brasileiro Aqua-HQE já certificou outras 297 construções. Mas, há ainda mais sustentabilidade nos prédios brasileiros. E não somente nos construídos agora.

Num dos períodos mais marcantes da nossa arquitetura – o modernismo – elementos como cobogós e brises-soleils, novamente em voga na arquitetura nacional, já eram adotados em nome da sustentabilidade. Ainda que, na época, esse conceito não fosse sequer conhecido. Para melhorar a ventilação do edifício e permitir um maior controle da entrada de luz e calor, esses elementos eram usados com o objetivo de economizar, justamente um dos pilares da sustentabilidade. Mas tratava-se de economia financeira. Não energética.

– Nas décadas de 1920 e 1930, EUA e Europa estavam com suas economias combalidas, e o custo da energia já era uma grande preocupação. Então, arquitetos como Alvar Aalto e Le Corbusier já tinham a preocupação de fazer uma arquitetura que levasse à economia – lembra o arquiteto Ruy Rezende, um especialista em obras sustentáveis.

A escola corbusiana de modernismo, aliás, é justamente a que mais aparece nas obras do estilo no Brasil, com seus pilotis e terraços-jardim que, além de ajudarem a diminuir a temperatura do prédio, servem, de certa forma, para arejar a cidade. Isso porque criam grandes áreas de circulação e permitem certa interação com a natureza. Além disso, o uso dos pilotis, diminui a área de terreno impermeabilizada, aumentando o escoamento da água e reduzindo até o risco das enchentes, tão comuns no Rio.

– Havia também uma vertente social, uma preocupação com o bem-estar humano – lembra Rezende.

Um dos exemplos residenciais mais expressivos é o Parque Guinle, em Laranjeiras, com os prédios projetados por Lúcio Costa. Ali, os cobogós da fachada criam uma moldura para a janela, servindo ainda como um elemento estético. Seus panos de vidro, outra característica marcante do modernismo, entretanto, não podem ser inseridos no rol de elementos sustentáveis para a época: é que naquele meados do século XX ainda não havia a tecnologia que hoje permite que o material filtre o calor, deixando passar apenas a luz.

Mas, enfatiza o arquiteto e doutor em urbanismo Carlos Fernando Andrade, os vidros nos prédios Guinle estão a favor da economia já que permitem a entrada de iluminação natural numa área de circulação, as escadas.

– Se os vidros fossem usados num espaço de permanência, o interior viraria uma estufa – diz Andrade, apontando uma das características do modernismo que vai contra a sustentabilidade.

Mas, se isoladamente os edifícios modernistas já tinham um quê de sustentáveis, as cidades pensadas pelo movimento iam no sentido oposto. Brasília, projetada no momento de maior celebração do automóvel, é um exemplo claro do urbanismo feito para espraiar a cidade, o oposto dos centros urbanos adensados desejáveis em tempos de sustentabilidade.

– O carro promove a dispersão. E havia um rodoviarismo que impediu o investimento no transporte coletivo – lembra Pedro da Luz, presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil, do Rio. – A questão mais importante está centrada na cidade e não no edifício. A gente devia celebrar a densidade de Copacabana, em vez de continuar investindo em áreas sem infraestrutura.

Para Pedro da Luz, embora a sustentabilidade seja um caminho sem volta, falta um posicionamento dos órgãos governamentais em relação ao crescimento das cidades:

– Áreas centrais que muitas vezes guardam pedaços importantes de nossa história, como os centros do Rio e de São Luiz, no Maranhão, passaram por um processo de abandono que afastou a população desses locais. A melhor cidade é a que tem misto de usos em todos os bairros.

VARANDAS NO MODERNISMO À BRASILEIRA

O arquiteto Carlos Fernando Andrade lembra que o urbanismo modernista, de certa forma, previa esse mix ao introduzir elementos como as unidades de vizinhança, áreas que cresceriam a partir de um ponto central com escola e serviços e seriam ligadas por estradas, substituindo a rua-corredor, ladeada por edifícios:

– Um modelo americano, que permitiria localizar os prédios nos locais mais adequados do terreno, levando em consideração a incidência solar, os ventos. O problema é que aqui esse urbanismo não foi bem reproduzido. Na Barra, por exemplo, essas unidades viraram condomínios privados deixando de lado a densidade pensada para a região.

Já a preocupação com implantação dos prédios nos terrenos, respeitando a incidência do Sol, ventos e iluminação é outra característica marcante do modernismo que hoje é tida como essencial para se considerar qualquer empreendimento sustentável. Esse estudo deve ser o primeiro a ser feito para que o prédio possa tirar o melhor proveito de todas as tecnologias utilizadas hoje para economizar energia e água. E essas, sim, foram bem aproveitadas no Brasil naquele momento.

– São tendências que racionalizam o uso da energia e que aqui foram bem aproveitadas, sem deixar, contudo, de incorporar nossos padrões. As varandas, previstas na arquitetura colonial para evitar o aquecimento das paredes, por exemplo, foram bem incorporados. O Niemeyer fez um ótimo uso delas nos palácios da Alvorada e do Planalto, em Brasília – avalia Eduardo Nardelli, presidente da Associação Brasileira de Escritórios de Arquitetura (AsBea).

O arquiteto, um dos ícones maiores do modernismo brasileiro, e carioca, é muitas vezes criticado por privilegiar a beleza em detrimento da função e pelo uso excessivo do concreto. Mas, para Nardelli, quando a cidade é bem pensada, o material escolhido faz pouca diferença.

 

Fonte: O Globo, Karine Tavares – 06/07/2014