Foi literalmente amor à primeira vista. A arquiteta Cristina Bezamat nem procurava uma casa, apenas um apartamento maior para abrigar a família que, na época – 13 anos atrás -, incluía duas filhas adolescentes. Mas acabou cedendo às investidas de uma corretora que insistia para ela visitar o tal imóvel na Zona Sul do Rio. “Você é arquiteta… precisa ver esta casa. Vai gostar”, dizia a moça.

– E, quando entrei aqui, a casa me comprou. Ela estava vazia há pelo menos seis anos, e o estado era péssimo. O piso, em placas quadradas de madeira, parecia um mil-folhas. As paredes estavam manchadas, parte dos azulejos da entrada destruída – lembra Cristina.

Nada que a tenha feito desistir de fechar o negócio. A reforma levou nove meses, e os desafios foram muitos. Até porque, desde o início, ela decidiu que queria preservar a fachada, como foi projetada pelo arquiteto Thomas Estrella, que construiu a casa em 1955 para morar com a família.

DE ARQUITETO PARA ARQUITETA

– O fato dele ter construído a casa para ele e a família, o carinho e o cuidado que ele necessariamente teve na construção, também contou muito para a gente. De uma certa forma, preservar essa casa é também retribuir a ele esse carinho, embora eu não o tenha conhecido. Compramos a casa de seu filho. Ele já tinha morrido. Mas, acho que, lá de cima, deve estar feliz em ver sua casa bem cuidada – acredita Cristina, que lembra ainda de outro “presentinho” deixado para ela no imóvel.

São dezenas de revistas internacionais de arquitetura publicadas na década de 1950 que estavam na estante do escritório usado antes por Estrella e agora por Cristina:

– O filho dele levou muitas revistas. Mas deixou algumas para mim. São revistas como “Domus” e “Architecture d’aujourd’hui”. Entre elas, tem até uma do dia em que que eu nasci!

Além da estante do escritório, foram mantidas as escadas originais, em peroba, e o lambri que cobre a parede que vai do estar ao jantar. Nesse caso, contudo, foi preciso pintar de branco para pesar menos na decoração.

Outras mudanças, contudo, foram um pouco mais trabalhosas. Para recuperar o painel de azulejos que cobre as paredes da entrada e lateral da casa, por exemplo, Cristina precisou levar uma das peças até o cemitério de azulejos, no Centro, e pedir que novas fossem produzidas exatamente com o mesmo desenho, que foi feito pelo próprio arquiteto e era exclusivo.

UM PÉ-DIREITO DE QUASE QUATRO METROS

Os guarda-corpos das varandas – diferentes nos fundos e na frente da casa – também foram reproduzidos exatamente como projetados por Estrella, inclusive mantendo a inclinação típica dos anos 1950. Assim como o corrimão da escada que leva à entrada principal.

Internamente, para manter o pé-direito de quase quatro metros, Cristina optou por rasgar a laje e passar plastichumbo, um tipo de fio blindado que pode ter contato direto com o concreto, em vez de rebaixar o teto com gesso para fazer a iluminação embutida.

– Não dava para mexer na sala. Adoro o pé-direito alto, as colunas redondas, a ausência de vigas estruturais à vista. A casa é tão bem iluminada e ventilada que só agora vamos instalar um aparelho de ar – revela. – Sair de um apartamento onde se vive emparedado e vir para uma casa assim, é incrível.

 

Fonte: O Globo – 07/12/2014