ENTREVISTA

Glauco CavalcantI é palestrante, professor e empresário. Autor do livro Empreendedorismo – Decolando para o Futuro publicado pela editora Campus Elsevier e chancelado pelo SEBRAE. PhD pela Florida Christian University. Mestre em Gestão Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas. Pós-Graduado no MBA em Marketing pela Fundação Getúlio Vargas. Curso de especialização em Negociação pela Harvard Law School.

Nesta entrevista exclusiva à Stand ele revela os segredos para uma negociação bem sucedida e conta como o corretor de imóveis deve lidar com proprietários e compradores na hora da operação imobiliária.

Todo profissional que lida com vendas deve por natureza trabalhar com a arte da negociação. O sr. acredita que esse é o ponto chave para o sucesso de alguns e o fracasso de outros?

Na pergunta você menciona a “arte da negociação”. Arte vem do latim ars que significa técnica ou habilidade e pode ser entendida como a atividade humana ligada às manifestações de ordem estética e comunicativa. Mas as pessoas geralmente pensam em arte com uma visão ligada à intuição, emoção e sentimento. O próprio conceito de arte se transformou ao longo da história da humanidade, mas existe um senso comum que arte está ligada à criatividade e intuição.

Sua pergunta tem em si uma certa complexidade já que negociação transita entre a emoção e a racionalidade. Negociação lida com pessoas e seus sentimentos, expectativas, medos e frustrações, mas ao mesmo tempo com dados, fatos e processo decisório que exige racionalidade e objetividade.  A boa notícia é que podemos aprender as técnicas e desenvolver habilidade para deixar menos valor na mesa durante uma negociação. E é exatamente isto que venho fazendo junto aos meus alunos de MBA da Fundação Getúlio Vargas e também junto aos clientes corporativos. Fazer com que o processo seja menos empírico e intuitivo para se transformar em algo fundamentado na teoria e com um passo a passo estruturado que permita alcançar resultados superiores. Para isso uso a metodologia desenvolvida pela Universidade de Harvard a partir do PON (Program on Negotiation).

Sem dúvida o conhecimento de negociação pode aumentar e muito as chances do vendedor em atingir um melhor acordo. Mas para isso precisa sair do conhecimento empírico e buscar aprender de forma teorizada e estruturada o processo.

Quais são os principais elementos de uma negociação?

O mais interessante é notar que existem alguns elementos que estão presentes em todas as negociações e isto independe do segmento. Quem nos ensina isso é um dos fundadores do Programa de Harvard, Prof. Roger Fisher. É o que chama dos sete elementos-chave em uma negociação.

O primeiro deles é a comunicação. Não é possível negociar sem uma comunicação eficaz. O segundo é o relacionamento entre as partes. Os negociadores se veem como inimigas ou estão trabalhando conjuntamente para resolver um problema? Como estão lidando com a outra parte? De maneira respeitosa? O terceiro elemento é o interesse. Entender quais as necessidades genuínas da outra parte e saber quais são as nossas. A seguir deverei inventar opções, possíveis acordos. Se quisermos ter um bom acordo, precisaremos conhecer todas as possibilidades. Se você me disser que quer um edifício, perguntarei por que você o quer. Para trabalhar nele? Fazer investimento? Para ter proteção? As opções possíveis seriam, respectivamente, um leasing a longo prazo, um leasing com opção de compra, ou uma compra a prazo. Em última análise, procura-se encontrar uma opção que esteja de acordo com nosso interesse. Depois procurarei encontrar formas de convencer a outra parte de que está sendo tratada de maneira justa. Qual é o valor de mercado? Qual é o preço atual? Quais são os antecedentes? O que diz a lei? A outra parte deve estar convencida de que é tratada com justiça. Quero saber em seguida quais são minhas alternativas, caso não cheguemos a um acordo. Será que eu poderia fazer um acordo com outra pessoa? Será que poderia entrar com um processo na justiça? Finalmente, chegamos ao compromisso, com promessas práticas e realistas de cada parte.

Estes são os sete elementos-chave: comunicação, relacionamento, interesses, opções, alternativas, justiça e compromisso.

Qual é o perfil ideal de um grande negociador?

Os negociadores mais espetaculares que já conheci são aqueles que conseguem gerenciar os três pilares de uma negociação. O conhecimento técnico, domínio emocional e compreensão de linguagem corporal. Quando menciono domínio técnico me refiro a saber se colocar no lugar do outro (ir para a sacada), sabe como mapear os interesses das partes, compreende o processo, conhece as táticas de negociação, identifica o perfil do outro na mesa, gerencia o espaço onde está negociando, tem criatividade para desenvolver opções de benefícios mútuos (cresce o bolo), sabe ouvir e argumenta usando critérios objetivos. Este negociador ideal sabe ainda controlar suas emoções por entender seus gatilhos e o momento exato que pode vir a escalar na negociação. Controla a ansiedade, o pessimismo e seu ego. Por fim é senhor da sua postura corporal e sabe identificar os sinais dados pela outra parte. Domina o espaço onde ocorre a negociação melhorando a comunicação entre as partes com gestos que estão coerentes com sua fala. O negociador ideal deve dominar a técnica, a emoção e a linguagem corporal.

Willian Ury, um dos grandes nomes da negociação escreveu um livro chamado “Como chegar ao Sim com você mesmo” falando que antes de partir para a negociação com os outros temos que negociar conosco primeiramente. Na sua visão isso é uma verdade?

A nossa mente como o próprio nome diz, mente. A nossa mente é mentirosa. Isto porque vemos o mundo a partir da nossas percepções e falsas verdades. Pautamos nossas decisões e escolhas com base em crenças, valores, religião, cultura e experiências passadas que são limitadas. Por isso quando estamos diante de uma negociação ou gestão de conflito o nosso maior inimigo somos nós mesmos. A primeira negociação começa dentro da nossa mente. Pense bem por um instante, o que é a negociação se não um duelo das percepções entre as partes. A ZAP ou Zona de Acordo Possível será definida pela distância destas percepções dos negociadores.

Falamos muito em nos colocarmos no lugar do outro. Mas antes é importante entendermos nossos pensamentos e sentimentos no processo da negociação. Precisamos estar preparados de corpo e alma para entrar em uma negociação. A verdade é que negociamos o tempo todo com os outros, mas devemos estar conscientes que também negociamos com nós mesmos.

Entrando mais especificamente na negociação em si, como se preparar? Existem técnicas e métodos para isso? Pode citar alguns?

Segundo o Prof. Lawrence Sisskind, criador da matriz das negociações complexas, as quatro etapas da negociação são: preparação, criação de valor, distribuição de valor e implementação.

A preparação é o que se faz antes de se sentar à mesa ou interagir com a outra parte. O planejamento é sem duvida uma das etapas mais importantes do processo de negociação, no entanto o que vemos são negociadores que improvisam e usam as informações disponíveis naquele instante para tomar decisões. Não percebem que muitas negociações são ganhas fora da mesa a partir da qualidade do planejamento que é realizado. Na mesa negociadores profissionais estão apenas executando aquilo que foi traçado e definido de forma estratégica fora da mesa.

A etapa seguinte de criação de valor exige que o negociador seja capaz de fazer uma boa abertura, criando relacionamento respeitoso e mapeando os interesses da outra parte. Aqui vale a frase “andar devagar para andar rápido”. Andar devagar significa construir confiança, ser transparente, gerar credibilidade e ter coerência nas suas ações. O relacionamento saudável permitirá que possamos crescer o bolo que é o objetivo maior desta etapa. A postura aqui é separar o ato de inventar do ato de criticar. Devemos ser capazes de inventar opções de ganhos mútuos e fazer com que os negociadores comecem a desenhar um acordo sensato entre as partes.

A terceira etapa é a distribuição de valor. Uma vez que o bolo foi crescido, é hora de repartir o bolo, ou seja, escolher as melhores opções que foram desenhadas na etapa de criação de valor. Devemos ter uma postura ética nesta etapa buscando um acordo que satisfaça as partes com justiça e equidade. Estas palavras são muito importantes. As pessoas só fazem negócio repetidas vezes com as outras quando percebem que foram tratadas de forma respeitosa e atenderam seus interesses com justiça e equidade.

Por fim a fase da implementação que acompanha os resultados acordados deve servir para a manutenção do relacionamento entre as partes. Se os resultados estiverem a contento, ambas as partes estarão bem; caso haja dificuldades, a identificação do problema e a busca de soluções conjuntas proporcionarão uma aliança mais forte entre as partes. Caso existam divergências, deve-se solicitar auxílio a terceiros.

O corretor de imóveis negocia ora com proprietários que desejam vender seus imóveis a preços que acreditam ser justos e compradores que desejam pagar menos pela unidade. Como trabalhar os elementos da negociação e aplicar os métodos citados com esses dois agentes?

Existe um conto que gosto muito. Trata-se da história de João, Maria e a laranja.

Certo dia o pai chegou em casa e encontrou seus filhos João e Maria brigando por uma laranja. Só havia uma laranja na casa, ou seja, era um recurso escasso e ninguém queria ceder. João dizia que queria a laranja. Maria dizia que queria a laranja. O pai então pensou uma forma de resolver aquele conflito entre os filhos. Falou: “vou resolver este problema já que não conseguem chegar a uma solução”. Os filhos ficaram atentos para decisão do pai: “João corte a laranja e Maria escolha o primeiro pedaço”. João não queria que Maria levasse um milímetro a mais da laranja e por isso mediu o local exato que iria cortar a laranja. Partiu bem no meio. Sabia que se partisse 60% x40% Maria teria o poder da escolha e pegaria o maior pedaço. Para evitar isso João cortou bem no meio. Certinho. Maria olhando os dois pedaços tão iguais escolheu um. João então ficou com a outra metade da laranja. Cada um saiu para um lado e o problema foi resolvido. Pergunto ao leitor(a), o pai resolveu o conflito? Foi uma solução inteligente? E por último, foi a melhor solução possível com o recurso disponível?

A princípio parece ser uma solução inteligente e a melhor possível com o recurso disponível. Mas o pai desconfiado seguiu João até o quintal da casa onde viu o filho espremendo a laranja e tomando o suco, depois João jogou a casca fora. Na sequencia o pai encontrou Maria na cozinha da casa. A filha raspava a casca da laranja e enfeitava o bolo de aniversário da avó. Maria só usou a casca da laranja e jogou o restante fora.

No dia a dia a maior parte das pessoas fica presa a posição. Faz uma série de exigências e demandas ao invés de buscar entender o interesse das partes. E esta é a diferença entre posição e interesse. Posição é aquilo que dizemos que queremos, são as demandas e exigências que fazemos. Neste caso a posição de João e Maria era: “queremos a laranja”. Posição são as exigências. “Eu quero isso”, “este é o preço que quero por este produto”. Sempre que alguém nos fala o preço de um produto ou serviço isto é a posição. No caso de João e Maria a posição “quero a laranja”, mas não é isto que de fato eles realmente precisavam para atender suas necessidades. Cada um precisava de uma parte diferente da laranja. João precisava o suco e Maria a casca. O interesse é mais profundo do que apenas suco e casca. O verdadeiro interesse de João era matar sua sede. Já Maria tinha o interesse de agradar a avó.

Muitas vezes nos agarramos nas nossas posições e nos desgastamos muito neste processo que vira uma queda de braço ou cabo de guerra. Por isso devemos mudar nossa atitude. Entendo que corretores de imóveis devem ser caçadores de interesses e solucionadores de problemas. Tanto para os compradores como para os vendedores.

Pra finalizar: o que o sr. destacaria como mais importante para um corretor de imóveis no que diz respeito à negociação?

Pode ser em duas palavras iguais?

Cede – Cede

Muitas pessoas falam no ganha – ganha, mas eu prefiro cede – cede. Precisamos saber ceder se queremos alcançar resultados mais inteligentes. As pessoas se julgam mais espertas que as outras, mas na verdade no mundo dos negócios todos são espertos, portanto é mais inteligente aprender a ceder. Crescer o bolo para depois dividir.