Num esforço para reanimar a economia, que entrou em recessão técnica no primeiro semestre de 2014, o governo resolveu retomar sua agenda microeconômica. Sem espaço fiscal para novas desonerações, a ideia agora é tomar medidas para desburocratizar, reduzir custos e aumentar o acesso dos brasileiros ao crédito. Uma das propostas em discussão é passar a permitir que uma pequena parte do financiamento habitacional seja usada para a reforma do imóvel adquirido. A iniciativa, no entanto, ainda não tem prazo para ser adotada.

Nas regras atuais do Sistema Financeiro de Habitação (SFH), que utiliza recursos da caderneta de poupança e permite o uso do FGTS, uma pessoa pode financiar até 80% do valor do imóvel. Mas segundo os técnicos da equipe econômica, o que se estuda é permitir que 5% do valor financiado sejam destinados a obras como pintura, troca de encanamento ou revestimentos, o que hoje é proibido. Todo o valor do financiamento tem que ser depositado pelo banco na conta do vendedor.

– Essa seria uma forma de ajudar o mutuário a embutir as despesas com reforma na conta do financiamento, que tem taxas mais baixas e prazos mais longos – disse ao GLOBO uma fonte do governo.

Segundo o técnico, o governo ainda quer avaliar com cuidado que impactos a medida teria na atividade econômica e suas dificuldades para ser implementada e, por isso, não há prazo para ser adotada. Nos cálculos da área econômica, essa medida poderia acelerar a demanda por materiais de construção e ajudar a aquecer a economia como um todo:

– É uma discussão, mas não significa que a medida vai ser adotada logo.

Mesmo ainda em discussão, a ideia animou o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Materiais de Construção (Abramat), Walter Cover. Segundo ele, a mudança é muito positiva, pois reduzirá o custo de famílias que querem fazer obras em seus imóveis.

MAIS PRAZO DE PAGAMENTO

Ele lembrou que um dos instrumentos mais baratos para quem quer reformar um imóvel hoje é o Construcard, uma linha de financiamento da Caixa Econômica Federal com taxas de juros que variam de 19% a 25% ao ano e que pode ser paga em até 36 meses. No entanto, um financiamento habitacional tem custo médio de 12% ao ano e prazos que podem chegar a 35 anos.

– A medida tem grande potencial. As pessoas que compram imóveis muitas vezes querem fazer reforma, mas ficam sem capital por causa dos financiamentos. Acabam deixando para depois. Muita gente iria aderir – afirmou Cover.

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O presidente da Abramat ressaltou que metade do mercado de materiais de construção no Brasil está no varejo, ou seja, pessoas físicas que estão reformando ou construindo uma casa. Outros 28% estão na construção civil e 22%, na área de infraestrutura.

Os técnicos do governo também afirmam que outra forma de facilitar o acesso dos mutuários a materiais de construção seria a ampliação dos prazos de pagamento para quem usa o Construcard. Uma medida em estudo pela Caixa é ampliar o tempo para quitar o empréstimo para dez ou até 20 anos.

Dimalice Nunes, redatora publicitária de São Paulo, teve que negociar com o antigo proprietário a redução do preço de um apartamento de três quartos no bairro da Consolação que acaba de comprar. Só assim conseguirá custear a reforma que quer fazer quando receber as chaves.

– A compra foi bem planejada e ficamos o tempo todo de olho na equação certa entre parcela, entrada e custos da reforma. O que fiz exatamente foi chorar na orelha do proprietário para reduzir o valor total do imóvel. Assim eu mantive o valor financiado, reduzindo um pouco a entrada e liberando parte desse valor para a reforma. Consegui reduzir em 4% o valor final do imóvel, que equivale a 10% da entrada que eu daria – explicou Dimalice.

NÃO SOBRA DINHEIRO PARA REFORMA

Mas sem um proprietário sensível a “choros”, os compradores podem ter de recorrer a alternativas de crédito mais caras ou mesmo atrasar reformas importantes em imóveis usados adquiridos, uma vez que um financiamento costuma consumir todos os recursos disponíveis de seus mutuários. O presidente da Associação Brasileira dos Mutuários da Habitação (ABMH), Leandro Pacífico, reconhece que é comum que um comprador de imóvel fique sem fonte de crédito barato para fazer reparos necessários no imóvel que compra ou mesmo para instalar o acabamento em um novo.

Incluir as reformas no crédito imobiliário poderia ter mudado a decisão de Andreia Moura Silva, técnica em edificações, de entrar no imóvel em janeiro deste ano, depois de casar. Ela foi obrigada a deixar a reforma do forro e a cerâmica da cozinha do apartamento no bairro de Álvaro Weyne, em Fortaleza, para depois.

– Ele dá para morar, mas quero reformar no ano que vem, com dinheiro próprio, porque agora já ficamos bem apertados – disse Andreia, que financiou em 35 anos menos de 80% do valor do imóvel e teria, portanto, alguma margem para incluir a reforma nesse limite, se a medida já estivesse em prática.

A ideia de incluir materiais de construção no crédito imobiliário, porém, suscita críticas entre as construtoras, uma vez que estimularia a aquisição de imóveis usados em vez de novos. Os empresários também criticam o desvio do tradicional uso de recursos da caderneta de poupança, que é vinculado à compra de imóveis pelas pessoas físicas.

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Para José Carlos Martins, presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic), a inclusão de material de construção no limite de 80% para financiamento via SFH pode ser perigosa por se tratar de bens que não são facilmente acompanhados e conferidos pelo financiador, diferentemente do bem imóvel.

– O seguro e o risco de crédito podem ir lá para as alturas, se o modelo não for bem feito – disse Martins.

Os empréstimos para aquisição e construção de imóveis com recursos da poupança somaram R$ 63,6 bilhões entre janeiro e julho de 2014, segundo dados da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip). O número representa um crescimento de 6,7% em relação ao mesmo período no ano passado. Em unidades, foram financiados 307 mil imóveis, volume 4,9% maior que em 2013.

 

Fonte: O Globo – 01/09/2014