O imóvel de 1916 localizado na Rua Argemiro Bulcão 33, na Saúde, fica num endereço simbólico para a cultura negra, o Largo João da Baiana, na Pedra do Sal – onde nasceu o samba carioca e surgiram sambistas populares e antigos ranchos carnavalescos. O prédio, onde ainda acontece uma das rodas de samba mais animadas do Rio, nos próximos meses passará por sua primeira grande obra de restauração em quase cem anos. Uma obra que promete transformar o espaço, cuja fachada ainda preserva características originais de época, num confortável centro cultural, com um pequeno palco para shows, banheiros modernos e decoração inspirada em instrumentos musicais e objetos que remetem à cultura africana.

 Reforma vai custar R$ 398 mil

O trabalho, orçado em R$ 398 mil, será executado com verba do Programa de Apoio à Conservação do Patrimônio Cultural (Pro-Apac), do Instituto Rio Patrimônio da Humanidade e da Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto do Rio (Cdurp), que financia projetos de restauração de imóveis particulares preservados ou tombados pelo município.

Incluído na Área de Proteção do Ambiente Cultural dos bairros de Saúde, Gamboa e Santo Cristo (Apac Sagas) desde 1988, o sobrado foi comprado em 1980 pela família de André Santos, que passou a viver na parte de cima do prédio e a usar o pavimento térreo como bar.

Desde 2007, o espaço abriga o Botequim Bodega do Sal, cujo “quintal” é a histórica Pedra do Sal, tombada pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (Inepac) em 1987. O cenário remete ao passado dos negros que ali viveram. Era sobre aquela pedra, que no passado foi chamada de Quebra-Bunda e Pedra da Prainha, que os escravos secavam o sal trazido de navio pelos portugueses.

Nos arredores, na base do Morro da Conceição, formou-se uma das primeiras colônias de migrantes negros, vindos de áreas escravistas decadentes do Rio de Janeiro e da Bahia. Era local de trabalho, moradia e lazer e, ali, surgiram os primeiros ranchos, que deram origem às escolas de samba atuais.

– Cresci brincando na pedra, que tem uma marca branca da erosão de nossa descida. Além das rodas de samba, fazemos, aqui, uma oficina de percussão e cavaquinho, e pretendemos, em breve, reformar o outro imóvel, para dar mais conforto aos visitantes – conta André Santos, que promove as rodas de samba.

Segundo a produtora Anna Vacchiano, que fez uma pesquisa histórica sobre o imóvel, a restauração do sobrado é o primeiro passo na tentativa de revitalização do entorno da Pedra do Sal:

– A Pedra do Sal, assim chamada devido ao sal que ali era desembarcado e comercializado, foi um dos berços do samba e do chorinho carioca, no fim do século XIX. Uma caminhada pela Rua Argemiro Bulcão é suficiente para confirmar a riqueza dos patrimônios material e imaterial do local. Sobrados dos séculos XVII, XVIII e do início do século XIX são parte da diversidade que conta a história da cidade e do Brasil. A região serviu de moradia e ponto de encontro de bambas do samba, que se reuniam para mostrar suas novas composições. Donga, João da Baiana e Pixinguinha passaram por lá.

Interior de prédio ganhará nova escada e um mezanino

 Com pé-direito alto, telhado de telhas francesas, fachada simples, guarda-corpo metálico e esquadrias em madeira, o prédio tem 215 metros quadrados e um estilo neoclássico. De acordo com o proprietário, o piso térreo vem sendo usado como comércio há pelo menos 30 anos. Já foi loja de reforma de estofados, bar, depósito de bebidas… No segundo andar, fica a parte residencial, com hall, sala e quatro quartos, que será desativada. Depois da reforma, o interior do imóvel, que já havia sido descaracterizado, será totalmente modificado. Uma antiga claraboia será refeita e um mezanino, construído. A escada do imóvel, que é de madeira e está em péssimo estado, será substituída por uma outra, de metal. O telhado e a fachada terão que ser recuperados.

O projeto é de André Rodrigues, especializado em sobrados e prédios antigos. E a execução das obras ficará a cargo da Objetiva Arquitetura e Construção. As intervenções devem começar em julho e durar quatro meses.

Fonte: Jornal O Globo – 27/04/2014