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Uma multidão ocupava os mil assentos do então Palácio Teatro, na Rua do Passeio 38, Centro do Rio. Era 20 de junho de 1929 e todos estavam ansiosos pela estreia de “Melodia da Broadway”, de Harry Beaumont, primeiro filme sonoro exibido no Brasil. Na plateia, um espectador ilustre: o presidente Washington Luís, que pouco mais de um ano depois seria destituído do cargo por conta do golpe liderado por Getúlio Vargas, episódio que resultaria no fim da República Velha. Quatorze anos mais tarde, o rebatizado Cine Palácio ainda seria um dos principais representantes de uma época, na qual os grandes cinemas da região, como o Ideal e o Vitória, se destacavam na agenda de diversão do carioca. Mais recentemente, há quase quatro anos, após um período de decadência entre os anos 1990 e a primeira década dos anos 2000, parte dessas salas começaram a ser reinventadas e transformadas em novos espaços culturais. E o exemplo mais atual dessa tendência é o próprio Cine Palácio, que, desde o último dia 26, foi transformado em Teatro Riachuelo.

A obra de recuperação, que custou R$ 42 milhões, durou quase três anos e exigiu muito cuidado. O prédio está tombado desde 2008, quando deixou de funcionar como cinema, ao ser vendido pelo Grupo Severiano Ribeiro. Desde então, o lugar, que tem fachada em estilo neomourisco, concebida no fim do século XIX pelo arquiteto espanhol Adolfo Morales de los Rios, permaneceu fechado. O teatro agora faz parte do Passeio Corporate – um empreendimento imobiliário do banco Opportunity formado por três torres que ocuparão 70 mil metros quadrados e prevê a construção de um grande centro comercial na região -e é gerenciado pela Aventura Entretenimento, que ficará à frente da programação pelos próximos 20 anos.

– Queríamos participar do processo de revitalização da região. Soubemos do empreendimento e fizemos a proposta para assumirmos o espaço. A partir daí, entramos em obras, que foram bem mais complexas do que esperávamos – conta a produtora Aniela Jordan, uma das sócias da Aventura, experiente na produção de espetáculos musicais.

REFORÇO NA FUNDAÇÃO

Durante a reforma, por exemplo, foi constatado que a fundação original do Cine Palácio poderia não suportar o peso do novo teatro. Foi necessário instalar 30 estacas ao redor dos seis pilares de sustentação do imóvel. Além disso, com o acompanhamento de técnicos do Patrimônio Histórico Municipal, os administradores incorporaram novos elementos à arquitetura original, como lustres e cadeiras, ambos assinados pelo designer Zanini de Zanine.

– Quando todo o complexo começar a funcionar, pelo menos dez mil pessoas deverão passar por ele todos os dias. Boa parte da estrutura original foi mantida, mas fizemos inovações – diz Aniela.

Outro exemplo de reinvenção dos cinemas do Centro fica no número 62 da Rua da Carioca. Inaugurado em outubro de 1909, o Cine Ideal era um dos locais favoritos de Rui Barbosa, que ia assistir a filmes lançados pela distribuidora francesa Pathé. O espaço, que desde novembro passado funciona como Maison Leffié, ainda guarda seu charme: uma cobertura móvel de vidro projetada pelo engenheiro e arquiteto francês Gustave Eiffel, o mesmo da torre de Paris. Durante muito tempo, essa peça fez com que o Ideal fosse o único cinema ao ar livre à noite. A casa estava fechada desde 2014, após alguns anos abrigando festas para o público LGBT.

– Este prédio é parte da história dos grandes cinemas do Centro, não poderia continuar fechado. Por isso, fizemos tudo com muito cuidado, a cor das paredes respeitou as características da construção original – disse a arquiteta Rita de Cássia da Silva, uma das sócias do empreendimento cultural.

Para o pesquisador e autor do livro “Salas de cinema art déco no Rio de Janeiro”, Renato Gama-Rosa, tanto o Ideal quanto o Palácio podem ser classificados no que se chama de escola eclética de arquitetura:

– Já o Cine Vitória é um exemplo perfeito do art déco americano, muito comum nas salas de exibição de Nova York e Los Angeles na década de 1930 e 1940. Foi o último dos grandes cinemas a ser inaugurado no Centro. Depois, esses locais seriam construídos apenas na Zona Norte e no subúrbio.

LIVRARIA BEM-SUCEDIDA

A menção ao Cine Vitória não é aleatória. O espaço erguido em 1942, na Rua Senador Dantas, abriga um dos empreendimentos mais bem-sucedidos entre os recuperados no Centro: a Livraria Cultura Cine Vitória. Inaugurada em dezembro de 2012, recebe cerca de 2.500 pessoas por dia no prédio que, ainda hoje, mantém características da construção original, como o piso de mármore, os lustres do salão de entrada, as sancas e luminárias laterais e a estrutura de madeira utilizada em parte das antigas cadeiras da plateia.

Fonte: Jornal O Globo – 10/09/2016