Uma casa anfíbia. Fincada no chão, mas capaz de flutuar em dias de enchente, inibindo inundações. Não só é possível, como já existe. Em Bangladesh. A primeira unidade da Lift House (ou casa elevador) foi construída na cidade de Dhaka, numa comunidade que costuma sofrer com chuvas fortes e enchentes, e vem sendo testada há quatro anos.

O mecanismo é simples. A casa é composta de três partes. A central, estática, é feita de tijolos e concreto e funciona como a espinha dorsal da edificação, responsável por mantê-la em pé. Presa a ela, há dois módulos laterais de bambu construídos sobre dois tanques, que têm estrutura de cimento e funcionam como fundação da casa. Dentro dos tanques, ficam colchões de garrafas pet usadas. Quando chove forte e o rio localizado logo atrás da casa enche, a água invade os tanques e sua força levanta os colchões de pets e as duas laterais da casa. Assim, o imóvel flutua na água, ao invés de ser invadido por ela.

Quando o nível da água baixa, a casa volta a seu lugar. Para evitar infiltrações, o piso recebeu tratamento especial.

– Com soluções econômicas eficazes e simples, a arquitetura da Lift House se adapta ao ambiente natural dando, a comunidades carentes urbanas, a chance de viver em casas seguras, de baixo custo e que não necessitam de reparos a cada enchente. As inundações, uma das forças mais destrutivas em comunidades pobres de grandes cidades, são uma realidade na vida de muita gente ao redor do mundo. Esta é uma forma de conviver com elas – diz Prithula Prosun, arquiteta que desenvolveu o projeto em tese de mestrado.

Natural de Bangladesh, onde viveu até os 9 anos, Prithula vive desde então em Toronto, no Canadá. Mas em seu mestrado quis pesquisar soluções para habitações de comunidades pobres de seu país. E como a intenção era criar um projeto sustentável, a arquiteta optou por usar materiais baratos e que estivessem disponíveis em quantidade no local da construção.

Caso tanto do bambu, material versátil, leve e de baixo custo, quanto das pets, disponíveis aos milhares em qualquer canto do mundo e que, quando não recicladas, acabam enchendo os lixões. Na casa de Bangladesh, por exemplo, foram usadas oito mil pets.

Logo, uma escolha que, além de ecológica, facilita a exportação do projeto e a construção da casa em outros países. No momento, Prithula vem trabalhando em parceria com a organização Architecture for Humanity, para construir cem lift houses na Colômbia. Estão na fase de captação de recursos. O custo de cada módulo é de cerca de R$ 11 mil. Ou seja, uma casa, como a de Bangladesh, custa R$ 22 mil e pode ser erguida em três meses. E será que o projeto poderia chegar também ao Brasil?

– É claro. Embora a primeira Lift House construída levasse em consideração as condições e necessidades de uma família de Bangladesh, os conceitos básicos do design anfíbio podem ser aplicados em qualquer área que sofra com enchentes – diz a arquiteta, que continua com sua pesquisa para desenvolver outros tipos de habitações anfíbias.

Mas, segundo Prithula, não há restrições de tamanho ou peso para cada módulo móvel. Para construir uma casa maior, basta fazer um tanque, ou fundação, também maior. O design é totalmente adaptável até mesmo às condições climáticas. Só é preciso fazer adaptações que seriam estudadas de acordo com cada lugar.

Presidente da Associação Brasileira de Escritórios de Arquitetura (AsBEA Rio), o arquiteto Vicente Giffoni acredita, no entanto, que no Brasil a técnica só poderia ser aplicada em áreas afastadas dos centros urbanos, como as regiões ribeirinhas da Região Norte.

– O conceito é bom, mas não sabemos se poderia ser aplicado com eficácia no Rio de Janeiro. O uso de materiais sustentáveis e o estilo de construção são relevantes, mas, por outro lado, não se sabe se, na prática, isso seria suficiente, para se evitar o estrago causado por uma enchente – avalia Giffoni.

Casa é autossuficiente

E a casa asiática ainda tem outras características sustentáveis. Em sua parte central, foram construídos os banheiros e abaixo deles há uma grande composteira. Assim, é possível produzir adubo a ser usado em hortas ou no jardim que cerca a edificação, por exemplo. Além disso, o imóvel foi projetado para ser autossuficiante e não tem conexões com os sistemas de abastecimento da cidade, muito precário no caso daquela comunidade. Por isso, conta com dois painéis num sistema de captação de energia solar, suficientes para abastecimento da casa.

A posição da casa no terreno levou em consideração a incidência tanto do sol como dos ventos, para diminuir a temperatura. Os janelões localizados nas fachadas frontal e lateral dos módulos de bambu também permitem uma ventilação cruzada que ajuda a resfriar o interior do imóvel.

Há ainda duas grandes cisternas, enterradas no solo. Uma para captação de água da chuva e outra para armazenamento da água já usada nos banheiros, que passa por tratamento e pode ser novamente utilizada em descargas e na irrigação da área verde.

– Espero poder erguer futuros modelos da casa Lift em diferentes partes do mundo. Acredito que a ideia tem um potencial imenso e estou ansiosa por explorar como o design do imóvel pode ser aplicado em diferentes paisagens e culturas – destaca Prithula, acrescentando que está pesquisando o que será preciso fazer para usar essa mesma arquitetura na construção de centros comunitários e também em escolas.

“A arquitetura da Lift House se adapta ao ambiente natural dando a chance a comunidades carentes de viver em casas seguras, de baixo custo”.

Fonte: Jornal O Globo – 02/02/2014