De médico, louco e construtor, todo mundo tem um pouco. E atire a primeira pedra quem nunca brincou de encaixar pecinhas de Lego (ou do Pequeno Construtor) na infância. Ou até na fase adulta, com a desculpa de ajudar filho, sobrinho, afilhado…

Pois agora, o jogo está disponível também on-line, numa versão criada pela Google, em colaboração com o grupo Lego: o Build with Chrome, que além de dar uma quantidade infinita de peças para criar casas, prédios, monumentos e até cidades inteiras, permite que o usuário localize suas construções no Google Maps. É a chance de liberar o construtor que existe em você e criar a casa perfeita, no lugar dos seus sonhos.

O jogo tem até uma Escola da Construção comandada pelo avatar Mestre Vitruvius, que dá o passo a passo de como erguer o imóvel: mas, atenção, só na brincadeira on-line. Quem quiser levar a história para a vida real pode, no máximo, usar o jogo para criar a casa que deseja e mostrar a algum arquiteto ou engenheiro. Que, certamente, não vão se surpreender: quando o assunto é construir a própria casa, é comum que o cliente já chegue no escritório do profissional com um rascunho de planta, de próprio punho, embaixo do braço.

– Acho que todo mundo tem um certo desejo de ser arquiteto, de saber desenhar, criar. Então, o cliente sempre traz alguma referência. Quando não é um desenho ou rascunho é a imagem de alguma outra casa, numa revista – diz Vicente Giffoni, presidente da Associação Brasileira dos Escritórios de Arquitetura (AsBEA-RJ), lembrando a famosa frase do arquiteto Sérgio Bernardes: “o arquiteto é o intérprete dos sonhos”. – Todo mundo tem as suas aspirações, nós devemos ter o talento para compreender, filtrar e transformar esses desejos numa construção real.

O sucesso de jogos como Minecraft, outro que permite a construção de mundos on-line a partir de blocos e já vendeu mais de 35 milhões de unidades no mundo todo desde 2011, são a maior prova desse interesse geral pela construção. Mas, claro, é preciso ter conhecimento técnico, ressalta Marlise Matosinhos, vice-presidente do Conselho Regional de Engenharia (Crea-RJ):

– As pessoas sabem o que querem, mas muitas vezes, sem conhecimento. Querem construir casas enormes, num terreno pequeno, ou desenham plantas sem áreas de circulação. É preciso levar em conta uma série de coisas: a posição do sol e do vento, no terreno, por exemplo. Não adianta simplesmente fazer o que o cliente quer. É preciso adaptar.

E, nessa hora, a tecnologia é a maior aliada. Além de possibilitar uma melhor visualização, os softwares de arquitetura dão muito mais agilidade ao trabalho tornando possível fazer experimentos mais rapidamente.

– Eu sou da época da prancheta, da régua T, do papel manteiga. A gente aprendia a limpar o papel vegetal com benzina. Era um trabalho quase artesanal. Hoje, o jovem já sai da faculdade dominando todas as ferramentas que usará no trabalho. A tecnologia trouxe agilidade, e isso nos dá mais tempo para investir na criatividade, na ousadia – avalia Sydnei Menezes, presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio (CAU-RJ), que vê no jogo uma forma de estimular futuros arquitetos.

Afinal, on-line ou em pecinhas reais de plástico, o Lego é amado pelos pais justamente porque ajuda a criança a desenvolver noções espaciais, de escala, proporção, altura e distância. E é, muitas vezes nessa fase que nasce a paixão pela construção. O arquiteto Sérgio Caldas é um bom exemplo. Filho de arquiteto, costumava criar cidades de barro no ateliê do pai, em Pedro do Rio (Petrópolis). Hoje, vê a filha, de 7 anos, criando projetos arrojados no Minecraft. Mas, representante da geração que viu a transição da prancheta para o computador, investe em tecnologia em seu escritório, enquanto mantém a crença na importância do desenho à mão para a criação.

– O projeto ficou muito complexo. É tanta instalação, tanto detalhe… Mas ainda acredito que o esboço, a primeira ideia, tem que nascer num croqui.

Fonte:  O Globo Online – 09/02/2014