Graças ao aumento da capacidade de produção de energia eólica em 2014, o Brasil voltou à lista dos 10 países que mais investem em energias renováveis no mundo. A conclusão é do relatório Tendências Globais em Investimentos em Energias Renováveis, divulgado nesta terça-feira, 31, pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma).

De acordo com o relatório, em 2014, os investimentos em energias limpas no Brasil aumentaram 93% em relação ao ano anterior, chegando a US$ 7,6 bilhões. Desse total, US$ 6,2 bilhões (84%) foram investidos em energia eólica. Com isso, o Brasil voltou à lista dos 10 maiores investidores em energias renováveis no mundo. O país ficou em sétimo lugar em números absolutos, precedido pela China, Estados Unidos, Japão, Reino Unido, Alemanha e Canadá. Completam a lista a Índia, a Holanda e a África do Sul.

Os investimentos globais, segundo o relatório, subiram 17% em 2014. A China, que direcionou US$ 83,3 bilhões para energias renováveis – fundamentalmente energia solar e eólica -, responde por 31% do total investido no mundo. O Brasil, em 2014, aumentou sua participação de 2% para 3% do total de investimentos globais.

Depois da energia eólica, que concentrou a maior parte dos investimentos, o setor renovável que recebeu mais recursos no Brasil foi o de biocombustíveis, com US$ 574 milhões. Há sete anos, no entanto, os investimentos em biocombustíveis chegavam a US$ 8,3 bilhões.

Segundo Elbia Gannoum, presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica), as matrizes energéticas renováveis estão cada vez mais competitivas e a tendência é que a alternativa eólica ganhe cada vez mais espaço. “O Brasil começou a investir em energia eólica em 2009 e desde então foram realizados diversos leilões competitivos – isto é, sem subsídios. No início desse processo, o país tinha contratado apenas 1,4 gigawatts. Depois dos leilões, foram contratados 14 gigawatts que estão em operação, ou em processo de instalação, o que é um número muito expressivo”, afirmou. De acordo com ela, a energia eólica responde hoje por 4,5% da matriz elétrica brasileira, com 6 gigawatts instalados.

Os US$ 7,6 bilhões do Brasil podem parecer um investimento modesto comparado aos US$ 83,3 bilhões da China. Mas, de acordo com Elbia, é preciso ter cuidado com as comparações de números absolutos com a China. “A China aumenta anualmente em 100 gigawatts sua capacidade instalada no setor energético, enquanto toda a capacidade instalada no Brasil é de 130 gigawatts. Mas temos que levar em conta que, na China, 70% da matriz energética corresponde ao uso de carvão, uma fonte fóssil não renovável”, afirmou.

O Brasil, por outro lado, é o país com maior parcela de recursos renováveis em sua matriz energética: apenas 20% da energia do País é proveniente de fontes fósseis. “Tivemos muito investimento em termelétricas, especialmente entre 2005 e 2008. Mas, depois de 2009, os investimentos se concentraram em energias renováveis, que estão cada vez mais competitivas.

Hoje, somos o país mais renovável do mundo, tanto na matriz energética em geral, como na matriz elétrica. Isso se deve aos nossos recursos naturais, que fazem com que no Brasil as energias renováveis sejam mais vantajosas que as fósseis. Nos outros países, é preciso subsidiar a contratação de fontes eólicas e solares”, disse Elbia. De acordo com ela, em um edital público veiculado nesta segunda, para um leilão de contratação de hidrelétricas, os preços estabelecidos foram de R$ 155 por megawatt/hora para fontes hidrelétricas, de R$ 179 por megawatt/hora para fontes eólicas e de R$ 210 por megawatt/hora em fontes de carvão.

“O Brasil está na trajetória certa, muito adequada para a contratação das energias renováveis complementares. O País não tem uma política específica de energias renováveis – mesmo porque elas são competitivas -, mas com o avanço das tecnologias e as reduções que elas causaram nos custos, o setor de energia eólica cresceu 1300% em 2013”, afirmou.

A energia eólica é hoje a segunda fonte de energia mais competitiva e a segunda mais contratada desde 2004, segundo ela. “Em breve, a energia eólica será a segunda maior fonte na matriz energética, perdendo apenas para a hidrelétrica. A projeção é que, entre 2020 e 2022, até 14% da nossa matriz energética seja eólica”, disse.

Para André Luis Ferreira, diretor-presidente do Instituto de Energia e Meio Ambiente, as conclusões do relatório são coerentes com o que se tem observado no mercado. “Com exceção da energia hidrelétrica, o Brasil está investindo praticamente tudo em energia eólica. Basta observar os últimos leilões, o aumento de capacidade instalada e os inúmeros empreendimentos para verificar isso. Por outro lado, é de se lamentar que estejamos investindo tão pouco em biomassa”, afirmou Ferreira. De acordo com ele, a queda dos investimentos em biocombustíveis e etanol tem relação com a estagnação dos investimentos na renovação dos canaviais. “O investimento em etanol caiu muito em função da conjuntura do mercado de açúcar e dos preços da gasolina, que foram reduzidos por uma política econômica do governo federal”, explicou.

Mas a principal preocupação levantada pelo relatório, segundo Ferreira, é o baixo investimento em energia solar. “Chama a atenção que tenhamos um investimento quase desprezível em energia solar, que teve um impulso grande em vários países com área muito menor e em latitudes muito menos privilegiadas. O Brasil poderia ser muito mais ambicioso nesse setor”, disse. Segundo ele, no entanto, vários leilões para contratação de fontes de energia solar foram marcados para 2015. “O boom da energia eólica começou assim. Não temos garantia nenhuma, mas pode-se supor que estejamos dando um primeiro passo na adoção da energia solar”, afirmou.

Tercio Ambrizzi, coordenador do Núcleo de Apoio à Pesquisa em Mudanças Climáticas da USP, afirma que o Brasil terá que continuar seus investimentos em fontes alternativas, para enfrentar a vulnerabilidade às mudanças do clima. Segundo ele, existem vários projetos hidrelétricos sendo desenvolvidos no País, mas muitos deles utilizam a tecnologia conhecida como “fio de água”: sem reservatórios, a produção de energia depende diretamente da quantidade de água local.

“Ao longo dos últimos anos temos acompanhado a variabilidade climática no planeta e, mais recentemente, temos sentido isso não somente em regiões mais sensíveis à falta de água, como o Nordeste, mas também em regiões como o Sudeste e o Sul. O investimento em outras fontes de geração de energia pode minimizar a vulnerabilidade da produção de energia em relação à variabilidade do clima. Investir em energia eólica e solar é não somente importante, mas tornou-se essencial nas perspectivas atuais”, declarou Ambrizzi.

 

Fonte: O Estado de São Paulo – 01/04/2015