RIO — Os atrasos na entrega dos imóveis ainda dão o que falar na cidade. Apesar da lei 6.454/2013 — que estabelecia multa para as construtoras que não entregassem a obra dentro do prazo previsto — ter sido julgada inconstitucional pelo Tribunal de Justiça no Rio, as ações contra as empresas continuam tramitando nos tribunais. E, quase sempre, com ganho de causa para os consumidores.
É que a lei, ao estabelecer multa de 2% do valor total do imóvel além de multa moratória mensal de 0,5%, também sobre o valor total do imóvel, facilitava o julgamento das ações que chegavam à Justiça e o consequente cálculo da indenização a ser paga aos compradores lesados. Mas, mesmo sem a lei, nada impede que os consumidores que se sentirem lesados continuem entrando na Justiça. Numa ação iniciada em 2010, por exemplo, e já julgada em Brasília, o advogado Jorge Passarelli conseguiu que a indenização de sua cliente fosse o equivalente a 80% do valor pago pelo imóvel.
— Os valores ficam em média entre R$ 25 mil a R$ 30 mil porque incluem danos morais, os honorários dos advogados, os adiantamentos com as custas, além dos danos materiais, normalmente os gastos com aluguel e condomínio durante o período do atraso. E como as ações demoram de quatro a cinco anos para serem julgadas, os valores vão sendo corrigidos. Nesse caso, o imóvel tinha custado R$ 78 mil e ela deve receber R$ 62 mil por danos morais e materiais — explica o advogado. — O importante é que há um posicionamento nos tribunais reconhecendo todos esses direitos dos consumidores.
Já o militar Amadeu Alves, que esperou por mais de dois anos para receber as chaves de seu apartamento na Taquara, ganhou o processo em primeira instância e aguarda o julgamento do Recurso de Apelação impetrado pela construtora. Como ele, 70% dos compradores de apartamentos no seu prédio, também entraram com ações.
Presidente da Associação dos Dirigentes do Mercado Imobiliário (Ademi-RJ), João Paulo Matos diz que essas ações se referem a obras antigas, feitas num período em que as construtoras enfrentaram dificuldades como a falta de mão de obra. E que hoje, pelo menos no Rio, não há casos de atrasos:
— Mesmo as empresas que sofreram mais naquela época já conseguiram se recuperar e estão entregando as obras no prazo. Houve um período difícil, entre 2011 e 2012, mas agora a situação é estável.
Entenda a discussão em torno da lei 6.454/2013
Promulgada no dia 24 de maio do ano passado, a lei proposta pelo deputado estadual Wagner Montes chegou a ser vetada pelo então governador Sérgio Cabral por tratar de assunto que caberia à lei federal. O argumento também foi usado pela Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) ao entrar com ação para derrubar a lei no Tribunal de Justiça do Rio — o que acabou acontecendo em dezembro do ano passado.
Na época, a Firjan disse em nota que somente a União teria competência para legislar sobre direito civil. E que a lei criava, de forma inédita e exclusiva aos cidadãos fluminenses, direitos e deveres que diziam respeito ao direito civil. Para os defensores da lei, contudo, os estados podem sim legislar a respeito do direito do consumidor.
— Cabe à União estabelecer normas gerais e estas estão no Código de Defesa do Consumidor. Mas os estados podem desdobrar esta norma geral em normas de maior especificidade. Com isso, busca-se garantir a efetividade do direito a partir da realidade vivenciada por cada estado — disse o advogado Jorge Passarelli.
Fonte: O Globo,14/04/2014