Os ventos que sopram a favor do Porto chegam agora à Cinelândia. Depois de mais de meio século afundada em decadência, a Praça Floriano, no Centro, parece recuperar sua condição de polo de diversão. O local, que nasceu das ambições e dos ideais republicanos do início do século XX, passa por uma renovação, que envolve a volta de velhos ícones do passado. A restauração do antigo Cine Vitória (hoje Livraria Cultura), a reabertura do Cine Odeon e do Teatro Serrador – esta prevista para agosto -e a transformação do Cine Palácio em teatro – esperada para o primeiro semestre de 2016 – começam a resgatar a vida cultural do lugar que era intensa na primeira metade do século XX.

O cenário dessa revitalização é formado por imponentes construções em diferentes estilos: eclético, neoclássico, art nouveau e art déco. A Cinelândia é cercada pelo Teatro Municipal, a Biblioteca Nacional e o Centro Cultural da Justiça Federal (antigo Supremo Tribunal Federal). O Palácio Monroe já fez parte do conjunto. Derrubado pelos militares em março de 1976, o edifício ficou apenas no imaginário de parte dos cariocas.

Para o secretário municipal de Cultura e presidente do Comitê Rio450, Marcelo Calero, a região vive um momento de ebulição:

– A Cinelândia, que viu a estreia profissional de Bibi Ferreira no teatro, é vital para as artes e a cultura carioca – destaca Calero, dizendo que espera ver no Teatro Serrador um palco para a exibição da diversidade cultural carioca. – A Cinelândia é um grande polo de entretenimento e continua mais vivo do que nunca. A reabertura do Teatro Serrador era uma antiga demanda da classe artística carioca. Teremos uma programação permanente e de grande qualidade, que vai honrar a importância desse palco onde brilharam vários artistas.

PONTO DE ENCONTRO

Para o historiador e mestre em geografia Ivo Venerotti, que estuda a Cinelândia em seu doutorado, a praça, além de ser um ponto de encontro, guarda referências da história política do país.

– Tivemos ali grandes manifestações como a Passeata dos Cem Mil, que ocorreu na década de 60 contra a ditadura, além de multidões em festa, como no carnaval com o desfile do Cordão da Bola Preta – diz o pesquisador, acrescentando que, no período em que o Rio foi a capital do país, a Cinelândia era o ponto de concentração de grandes eventos.

Venoretti espera que, com a reinauguração de espaços culturais importantes, a Cinelândia volte a ocupar o seu lugar de destaque:

– O local tem ótimas perspectivas, principalmente com o pacote de obras para as Olimpíadas de 2016, que vai beneficiar a região. O VLT, por exemplo, vai passar pela Cinelândia, que estará de novo sob os holofotes.

NOSTALGIA ENTRE ANTIGOS

Uma das figuras mais conhecidas da região é o espanhol Lourenço Lemos, de 77 anos, proprietário do tradicional restaurante Amarelinho. Há 64 anos, ele testemunha os altos e baixos da Cinelândia.

– Já vivemos momentos de glória, e depois perdemos o nosso valor. Mas estamos voltando. A Cinelândia faz parte da minha vida. Além de lugar das manifestações políticas e artísticas, era aqui o oásis da boemia carioca – diz o espanhol, lembrando que, nos tempos áureos do local, as pessoas podiam andar tranquilamente durante a madrugada.

Ele diz que, mesmo durante os anos de degradação da praça, nunca pensou em abandoná-la:

– A Cinelândia é o coração do Rio. Antigamente, as mulheres andavam por aqui de saia longa, e os cavalheiros, de terno e gravata. Os tempos são outros, mas o local ainda preserva sua importância.

Amigo do dono do Amarelinho há mais de quatro décadas, o italiano Francesco Cittadino, de 78 anos, é o proprietário da banca de jornal mais antiga dali.

– O momento mais charmoso da Cinelândia foi a época em que o bonde passava pela região – lembra Cittadino.

Ele diz que o movimento de pessoas na área melhorou, mas que ainda faltam investimentos na segurança.

Seu filho, Flávio Cittadino, de 40 anos, seguiu os caminhos do pai e também tem uma banca de jornais na Cinelândia. Ele recorda com nostalgia as sessões que frequentava no Cine Pathé, fechado no fim da década de 1990.

– Acompanhava os meus pais que vinham trabalhar. Conheço cada canto da Cinelândia, e há 17 anos tenho o meu empreendimento aqui. É um lugar incr ível, mas que, mesmo com a abertura de alguns espaços culturais, ainda precisa de atenção. Temos muitos moradores de rua, que amedrontam os pedestres – ressalta Flávio, que aguarda a inclusão dos jardins da praça no processo de renovação.

 

Fonte: O Globo – 21/06/2015